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ANÁLISE
Coisas que não podem ser vendidas
HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Entre os vários "bugs" plantados na programação de nosso
cérebro está um que estipula
que determinadas coisas não
podem ser vendidas.
A mera ideia de legalizar um
mercado de órgãos humanos
provoca ojeriza mesmo entre
liberais. Um homem pode regalar sua mulher com um caríssimo jantar na expectativa de
uma noite tórrida, mas, se ousar oferecer-lhe uma soma em
dinheiro para o mesmo fim, só
o que conseguirá é o divórcio.
A educação fica no meio do
caminho. Donos de escolas particulares não chegam a ser vistos como rufiões da educação,
mas basta que se valham de técnicas agressivas de conquista
de mercado -como os brindes- para que passem a sê-lo.
Nossas mentes até distinguem entre os mimos. Itens como computadores e serviços de
babá, que podem ser considerados meios de acesso ao ensino,
são aceitáveis. Já prendas como
celulares, MP3 players e academia de ginástica estão definitivamente fora dos limites.
As áreas "sensíveis", que queremos ver protegidas do "contágio" pelo mercado, são aquelas mais ancestralmente ligadas a nossos relacionamentos
sociais: cuidados com o corpo,
casamento e instrução da prole.
Após 10 mil anos de agricultura e troca de excedentes, já
nos acostumamos com a ideia
de que alimentos podem receber uma etiqueta de preço, mas
ainda vemos com desconfiança
a figura do intermediário, a
quem chamamos pejorativamente de "atravessador" -como se a logística de levar a comida do local onde ela é produzida até as gôndolas dos supermercados não fosse trabalho.
Dan Ariely, professor de economia do MIT, traz em seu
"Predictably Irrational" ideias
interessantes sobre as diferenças entre relacionamentos sociais e os ditados por regras de
mercado. Enquanto os primeiros são regidos por valores como lealdade e confiança, os últimos têm como marca preceitos legais e contratos. Sempre
que misturamos os dois registros, surgem mal-entendidos.
Um caso emblemático é o das
empresas americanas que se
lançaram em campanhas publicitárias onde afirmavam tratar
seus clientes como se fossem
"da família". Foi um desastre.
Elas conseguiram atrair novos
fregueses. O problema é que,
quando cobravam uma multa
ou aplicavam qualquer outra
regra contratual pouco simpática, despertavam a ira do consumidor, que se sentia traído.
São comportamentos caprichosos e irracionais. Mas nem
Kant achava que o homem era
racional o tempo todo.
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