São Paulo, quarta-feira, 19 de agosto de 2009

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ANÁLISE

Coisas que não podem ser vendidas

HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Entre os vários "bugs" plantados na programação de nosso cérebro está um que estipula que determinadas coisas não podem ser vendidas.
A mera ideia de legalizar um mercado de órgãos humanos provoca ojeriza mesmo entre liberais. Um homem pode regalar sua mulher com um caríssimo jantar na expectativa de uma noite tórrida, mas, se ousar oferecer-lhe uma soma em dinheiro para o mesmo fim, só o que conseguirá é o divórcio.
A educação fica no meio do caminho. Donos de escolas particulares não chegam a ser vistos como rufiões da educação, mas basta que se valham de técnicas agressivas de conquista de mercado -como os brindes- para que passem a sê-lo.
Nossas mentes até distinguem entre os mimos. Itens como computadores e serviços de babá, que podem ser considerados meios de acesso ao ensino, são aceitáveis. Já prendas como celulares, MP3 players e academia de ginástica estão definitivamente fora dos limites.
As áreas "sensíveis", que queremos ver protegidas do "contágio" pelo mercado, são aquelas mais ancestralmente ligadas a nossos relacionamentos sociais: cuidados com o corpo, casamento e instrução da prole.
Após 10 mil anos de agricultura e troca de excedentes, já nos acostumamos com a ideia de que alimentos podem receber uma etiqueta de preço, mas ainda vemos com desconfiança a figura do intermediário, a quem chamamos pejorativamente de "atravessador" -como se a logística de levar a comida do local onde ela é produzida até as gôndolas dos supermercados não fosse trabalho.
Dan Ariely, professor de economia do MIT, traz em seu "Predictably Irrational" ideias interessantes sobre as diferenças entre relacionamentos sociais e os ditados por regras de mercado. Enquanto os primeiros são regidos por valores como lealdade e confiança, os últimos têm como marca preceitos legais e contratos. Sempre que misturamos os dois registros, surgem mal-entendidos.
Um caso emblemático é o das empresas americanas que se lançaram em campanhas publicitárias onde afirmavam tratar seus clientes como se fossem "da família". Foi um desastre. Elas conseguiram atrair novos fregueses. O problema é que, quando cobravam uma multa ou aplicavam qualquer outra regra contratual pouco simpática, despertavam a ira do consumidor, que se sentia traído.
São comportamentos caprichosos e irracionais. Mas nem Kant achava que o homem era racional o tempo todo.


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