São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2010

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GILBERTO DIMENSTEIN

Procuram-se nordestinos


A geração de empregos no NE deixou atordoados empregadores de áreas como a construção civil


POR MAIS QUE NÃO SE reconheça abertamente, sempre pairou em determinados segmentos da elite e até da classe média paulistana uma sensação de que parte dos problemas da cidade, como a violência, era provocada pelos migrantes, o que chegou a gerar um olhar preconceituoso contra o nordestino, chamado genérica e pejorativamente de "baiano". Prova disso é a escassez de monumentos importantes e datas comemorativas em homenagem ao migrante em São Paulo. Agora, porém, pela primeira vez, não são os migrantes que procuram emprego, mas os empregadores que procuram os migrantes.
Há vários anos, candidatos a migrantes estão deixando menos suas cidades graças a programas sociais como o Bolsa Família. Detectou-se até um movimento de retorno. A tendência acelerou-se ainda mais nos últimos meses com a geração recorde de empregos no Nordeste, deixando atordoados empregadores de segmentos como construção civil na região Sudeste, especialmente em São Paulo.
Dirigentes de recursos humanos informam que, em alguns segmentos, se entrou num vale-tudo neste fim de ano, quando são abertas mais vagas. Empresas estão abrindo mão de exigências para conseguir encontrar um trabalhador.
Não é verdade que esse tipo de novidade ajude a explicar o desempenho apenas de Dilma Rousseff, que, como mostrou o Datafolha na semana passada, pouco ou quase nada tem sofrido até agora com a série de bombardeios ligados a falcatruas. Muita gente que está no poder, de quaisquer partidos, está se beneficiando. Satisfeitas, as pessoas não querem mudar, numa onda de continuísmo.

 


Pesquisas de opinião mostraram, na semana passada, que, apesar de todo o prestígio de Lula, Anastasia superou Hélio Costa em Minas -e lembremos que Dilma é mineira. Serra pode perder até na capital, onde foi prefeito, mas o PSDB mantém larga vantagem contra o PT na disputa pelo governo estadual, inclusive na região metropolitana.
Sem o apoio do presidente, Sérgio Cabral poderia não ter uma vantagem tão grande, mas certamente estaria na frente. O mesmo vale para Jacques Wagner, na Bahia, ou Eduardo Campos, em Pernambuco.
A semana passada foi abundante em notícias que explicam essa sensação de bem-estar. Além da procura de migrantes, um trabalho da Fundação Getulio Vargas indicou que a renda dos mais pobres cresceu três vezes mais do que a dos ricos no ano passado, quando a classe média chegou, pela primeira vez, a 50% da população do país.
Quem é da classe D ou E sobe para a classe C, que, por sua vez, engrossa a B. A consultoria IPC Marketing calculou que o poder de compra da classe B cresceu 30% em relação ao ano anterior, mudando hábitos de consumo. Isso se traduz em mais aquisições de automóveis e de planos privados de saúde.
Como têm mais empregos e melhores salários, as mulheres já não querem ficar na cozinha. Resultado: os restaurantes mais cheios.

 


Em agosto, novo recorde de empregos formais. Estima-se que, neste ano, se criem até 2,5 milhões de vagas com carteira assinada. A rotatividade dos trabalhadores cai porque sai caro demitir um funcionário.
Um levantamento da IBM revela que a maior preocupação dos nossos executivos é a falta de talentos.
Tudo isso significa melhores reajustes salariais e, portanto, maior consumo.

 


Numa situação normal, a queda de Erenice Guerra, tão próxima de Dilma por tanto tempo, causaria um duro impacto eleitoral. Tantos escândalos poriam em debate se essa onda de valorização estatal não traz a corrupção como um previsível efeito colateral.
Alertas sobre o perigo do crescimento do aparelho governamental, que mistura bancos oficiais, empresas estatais, empresários, sindicalistas e um partido, quase não são ouvidos. Não causa escândalo um presidente misturar interesses públicos com interesses privados, acusar a imprensa como se esta fosse um agente de desestabilização, desrespeitar a Justiça, pedir o extermínio de um partido de oposição e, muitas vezes, comportar-se como um candidato aiatolá - gerando a estranha figura do "aiatolula".

 


PS- Nada disso me impede de reconhecer que, entre erros e omissões, Lula é um dos responsáveis por uma prosperidade democrática inusitada em nossa história. Colocou as questões sociais no topo da agenda do país, realizou avanços na educação e respeitou a economia de mercado. Escolheu ser mais inteligente do que coerente. A história vai mostrar que tivemos, até aqui, 16 anos quase de um mesmo governo.

gdimen@uol.com.br


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