São Paulo, sábado, 19 de outubro de 2002

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LETRAS JURÍDICAS

Estado moderno longe da transformação social

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Nas conversas do dia-a-dia é comum, neste mundo em crise, que amigos me perguntem em tom de crítica: "Por que vocês, juristas, não resolvem isso?". Respondo, esclarecendo, em tom de brincadeira, à pergunta, que jurista é o dr. Olavo Setubal, o qual, sendo banqueiro, vive de juros. Completo, dizendo -como escrevi aqui mais de uma vez- que as graves insuficiências do Direito, tomado em si mesmo, são muito pioradas pela crescente complexidade de sua aplicação. Quando há disputa civil entre os interessados, a aplicação é feita basicamente pelo Estado, que se reservou o monopólio da justiça oficial, do mesmo modo que examina a ofensa penal, punindo ou absolvendo.
Ora, ninguém tem dúvida de que o Estado é um mau aplicador do Direito, seja para decidir controvérsias civis e comerciais, seja para verificar condutas de acusados de delitos. Logo -e retornando à resposta pronta para quem me pergunte- digo que o Direito ajuda a paz social como um dos mecanismos possíveis, apesar de fraco, insuficiente. Útil, ainda assim.
Para ir à frente, é necessário pensar também na epistemologia. Essa palavra estranha, absolutamente deslocada num trabalho jornalístico, refere-se à parte da filosofia que cuida da história e dos métodos da ciência. A história e os métodos do Direito mostram que, com todas as transformações pelas quais passou ao longo dos séculos, não há muita coisa de novo sob o sol. Somente agora, já no século 21, começam a se consolidar algumas idéias novas sobre a aplicação da ciência jurídica.
Na heterogeneidade planetária de hoje, assim como no restrito universo mediterrâneo de persas, gregos e romanos de 25 séculos atrás, havia e há as classes dominantes (nobreza, sacerdotes, militares) que impõem as leis, detêm o controle das informações essenciais para a atuação do poder, impõem impostos e taxas e controlam as Forças Armadas, além de liderarem as religiões. É certo que acabaram (como regra) os escravos. Alguma intervenção do povo tem sido possível na feitura das leis através de representantes eleitos. Não há monarcas absolutos. Contudo a grande máquina Estado ainda domina. Domina apesar dos defeitos.
As massas atuais redescobriram pela Terra afora -graças à comunicação ampla e instantânea- aquilo que as massas francesas (lideradas, é verdade, por uma elite ilustrada) haviam revelado no século 18 e as russas, em outubro de 1917. Como sempre, novas elites substituíram as velhas, mas o Direito permitiu o acesso de muitos dos que antes eram excluídos e os preservou das agressões antigas. O Direito lhes deu a oportunidade de mudar.
Quando a evolução do Estado moderno decantar as transformações acumuladas no século 20, talvez surja um período de paz e de prosperidade, que a maioria deseja e tem direito de obter. Na torre de Babel da Terra, dos habitantes dos desertos aos moradores de montanhas eternamente geladas, a evolução será a mais desconjuntada possível, com ritmos heterogêneos e influências diversas incidindo sobre a ordem jurídica e sofrendo a incidência dos novos costumes. Como será não se sabe. Nem se sabe mesmo, neste mundo louco, se teremos evolução ou volta ao passado.
No momento presente, com o terrorismo em Bali e a ameaça ao Iraque, qualquer tentativa de previsão do que possa acontecer será imprudente. Baterá no muro fechado da incerteza.


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