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LETRAS JURÍDICAS
Estado moderno longe da transformação social
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Nas conversas do dia-a-dia é comum, neste
mundo em crise, que amigos me
perguntem em tom de crítica:
"Por que vocês, juristas, não resolvem isso?". Respondo, esclarecendo, em tom de brincadeira, à pergunta, que jurista é o dr. Olavo
Setubal, o qual, sendo banqueiro,
vive de juros. Completo, dizendo
-como escrevi aqui mais de uma
vez- que as graves insuficiências
do Direito, tomado em si mesmo,
são muito pioradas pela crescente
complexidade de sua aplicação.
Quando há disputa civil entre os
interessados, a aplicação é feita
basicamente pelo Estado, que se
reservou o monopólio da justiça
oficial, do mesmo modo que examina a ofensa penal, punindo ou
absolvendo.
Ora, ninguém tem dúvida de
que o Estado é um mau aplicador
do Direito, seja para decidir controvérsias civis e comerciais, seja
para verificar condutas de acusados de delitos. Logo -e retornando à resposta pronta para quem
me pergunte- digo que o Direito
ajuda a paz social como um dos
mecanismos possíveis, apesar de
fraco, insuficiente. Útil,
ainda assim.
Para ir à frente, é necessário
pensar também na epistemologia.
Essa palavra estranha, absolutamente deslocada num trabalho
jornalístico, refere-se à parte da
filosofia que cuida da história e
dos métodos da ciência. A história e os métodos do Direito mostram que, com todas as transformações pelas quais passou ao longo dos séculos, não há muita coisa
de novo sob o sol. Somente agora,
já no século 21, começam a se consolidar algumas idéias novas sobre a aplicação da ciência
jurídica.
Na heterogeneidade planetária
de hoje, assim como no restrito
universo mediterrâneo de persas,
gregos e romanos de 25 séculos
atrás, havia e há as classes dominantes (nobreza, sacerdotes, militares) que impõem as leis, detêm
o controle das informações essenciais para a atuação do poder,
impõem impostos e taxas e controlam as Forças Armadas, além
de liderarem as religiões. É certo
que acabaram (como regra) os escravos. Alguma intervenção do
povo tem sido possível na feitura
das leis através de representantes
eleitos. Não há monarcas absolutos. Contudo a grande máquina
Estado ainda domina. Domina
apesar dos defeitos.
As massas atuais redescobriram
pela Terra afora -graças à comunicação ampla e instantânea- aquilo que as massas francesas (lideradas, é verdade, por
uma elite ilustrada) haviam revelado no século 18 e as russas, em
outubro de 1917. Como sempre,
novas elites substituíram as velhas, mas o Direito permitiu o
acesso de muitos dos que antes
eram excluídos e os preservou das
agressões antigas. O Direito lhes
deu a oportunidade de mudar.
Quando a evolução do Estado
moderno decantar as transformações acumuladas no século 20,
talvez surja um período de paz e
de prosperidade, que a maioria
deseja e tem direito de obter. Na
torre de Babel da Terra, dos habitantes dos desertos aos moradores
de montanhas eternamente geladas, a evolução será a mais desconjuntada possível, com ritmos
heterogêneos e influências diversas incidindo sobre a ordem jurídica e sofrendo a incidência dos
novos costumes. Como será não se
sabe. Nem se sabe mesmo, neste
mundo louco, se teremos evolução ou volta ao passado.
No momento presente, com o
terrorismo em Bali e a ameaça ao
Iraque, qualquer tentativa de
previsão do que possa acontecer
será imprudente. Baterá no muro
fechado da incerteza.
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