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São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2003

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AMBIENTE

Folha percorre local 15 dias depois de acidente que matou 208 t de peixe

Rio Pardo agoniza após vazamento, afirma pescador

AFRA BALAZINA
FREE-LANCE PARA A FOLHA RIBEIRÃO

Um rio sem vida. É essa impressão que se tem ao percorrer o Pardo, que foi atingido por um vazamento de melaço no último dia 29. No desastre, o maior já registrado no Pardo, morreram 208 toneladas de peixes, segundo o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
A reportagem da Folha refez, em dois dias de viagem pelo rio, o caminho da mancha de 8 milhões de litros de melaço, desde a Usina da Pedra, em Serrana, até a colônia de pescadores de Colômbia, na divisa com Minas Gerais.
Durante o trajeto, de 150 km, observou que, nas margens, as centenas de puleiros (ou tablados) destinados aos pescadores profissionais e amadores estavam vazias. Em condições normais, pelo menos um terço deles é ocupado durante a semana.
O primeiro barco só foi encontrado após nove horas e 25 minutos de viagem. O jardineiro Alaor Marcelino, 55, e o aposentado José Ferreira, 53, estavam navegando desde o início da manhã. "Só pegamos 20 piauzinhos e acho que eles nem são do Pardo. Vêm do Mogi [Guaçu]", disse Ferreira.
Até o fim da viagem, a reportagem só encontrou mais dois barcos de pescadores, tão ou mais desanimados que a dupla.
O aposentado Luiz Carlos Dellagostini, 54, que pesca no rio há 20 anos, afirma que percebeu a diferença após o desastre. "Antes estava até bom de peixe. Hoje, é impossível pegar alguma coisa com vara de mão. Tem que usar molinete, carretilha. Acabou o nosso divertimento."

"Agonizando"
Os pescadores profissionais Lauriano Ortega Neto, 40, e Arlindo de Paula Rodrigues Júnior, 40, na área há cinco anos, também reclamaram. Eles usam o método "joão bobo": colocam galões com linha e isca no rio e, quando o galão afunda, é sinal de que pegaram algum peixe. Ortega Neto explicou que, em três dias, eles costumavam pegar 120 kg de peixe. Agora, conseguem apenas 15 kg. "O rio não está totalmente morto, mas está agonizando", afirmou.
As consequências do melaço, uma matéria-prima para a fabricação do álcool combustível, para o rio e para as pessoas que moram perto dali e dependem do Pardo para viver eram visíveis, mesmo 15 dias depois do vazamento.
O cheiro de decomposição dos peixes mortos já não era tão forte -de acordo com rancheiros que estavam na área quando ocorreu o acidente, nos primeiros dias, o odor era insuportável-, mas urubus ainda sobrevoavam o rio.
Outro sinal de abandono era visível nos bares e restaurantes ao longo das margens. "Não estou nem renovando meu estoque de cerveja porque pouca gente passou por aqui desde o acidente", disse Vitório Valques Vasconcelos, 66, dono de um bar-rancho no município de Jardinópolis.
Segundo o Ibama, o Pardo vai levar "anos" -não há uma previsão exata- para se recuperar. A usina da Pedra, responsável pelo acidente, foi multada em R$ 10 milhões pelo Ibama.

Esgoto também
O trecho depois da confluência entre o rio Pardo e o córrego Ribeirão Preto é o que está mais sujo e com maior quantidade de lixo.
Ali, a água era muito mais escura que em outras áreas, com um tom quase negro. Não havia a possibilidade de enxergar o que havia sob a superfície.
Uma das explicações para o trecho ser o mais poluído é Ribeirão Preto fazer o tratamento de apenas 60% de seu esgoto.
Segundo Otávio Okano, da Cetesb (agência ambiental paulista), a poluição em todo o rio acontece porque nem todas as cidades fazem o tratamento total do esgoto e porque muitos rancheiros jogam seus lixos diretamente no rio.


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