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São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2003

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ENTREVISTA

"Fizemos 50 transplantes em crianças; podíamos ter feito 500"

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Crianças cardíacas e transplantadas do coração ganham, na terça-feira, uma nova e ampla casa nos Jardins, em São Paulo. A um custo de R$ 1,25 milhão, a nova casa cresce de 47 para 56 vagas e seus serviços são ampliados, com assistência sociopsicológica e até cursos diversos para os pais.
ACTC, Associação de Assistência à Criança Cardíaca e à Transplantada do Coração, foi criada em 1994 por uma razão muito simples: crianças pobres, a maioria vindas de fora, não podiam ser transplantadas nem tratadas porque elas e seus pais não tinham onde ficar em São Paulo.
A construção da nova sede contou com a ajuda de mais de cem empresas e pessoas físicas. E a associação tem o apoio de cerca de 220 associados e 40 voluntários.
Tanta contribuição não vem conseguindo resolver o principal drama dessas crianças: a falta de doadores, diz Miguel Barbero Marcial, 58, professor da USP e chefe da cirurgia cardíaca pediátrica do Instituto do Coração.
Cerca de 50 transplantes em crianças pequenas -de recém-nascidos àquelas com cinco ou seis anos- já foram feitos no Incor. "Poderíamos ter feito 500 se tivéssemos doadores."
Abaixo, trechos da entrevista que concedeu à Folha:

Folha - A falta de doadores é comum nos transplantes. Por que é mais grave com as crianças?
Miguel Barbero Marcial
- Felizmente, há menos crianças e adolescentes vítimas de mortes violentas. Mas se considerarmos apenas aqueles que morrem em quedas de laje e em acidentes de carro, teríamos doadores suficientes. O problema está na agilidade que todo o processo exige. Depois de confirmada a morte cerebral, um coração pode ser utilizado num período de 48 a 72 horas, mas desde que o hospital ofereça condições para que o órgão seja preservado.
Com a morte do cérebro, o organismo necessita de muito sangue, plasma e soro, do contrário a pressão cai, diminui a irrigação e o coração se deteriora depressa. E a maioria das vítimas de traumas são crianças carentes, atendidas em PSs da periferia, onde nem sempre existem as condições necessárias. Também falta um maior comprometimento dos profissionais. Eu tenho estado em hospitais da periferia conversando com médicos e expondo a importância de se preservar os possíveis doadores.

Folha - O que há, então, é uma "perda" de doadores?
Marcial
- Pode-se dizer que de cada dez doadores que temos notícia, pegamos apenas um. É uma situação angustiante, porque às vezes temos dez, 15 receptores esperando, e fazemos apenas um transplante. Se tivéssemos órgãos em condições, poderíamos multiplicar por dez o número de cirurgias. Eu estimo que 70% das crianças que necessitam de transplante morrem na fila de espera. A maioria chega no Incor em condições razoáveis, se recebessem um coração estariam boas em dois dias. Mas vão se deteriorando rapidamente, necessitando de mais remédios, de respiradouros, até que acabam morrendo.

Folha - Qual a importância da ACTC, da qual o senhor é fundador?
Marcial
- Se não existisse, criança pobre não faria transplante, porque ela e seus pais precisam de um lugar para ficar em São Paulo durante o tratamento. E a casa oferece conforto e atividades que podem mitigar esse sofrimento.


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