São Paulo, sexta-feira, 19 de outubro de 2007

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BARBARA GANCIA

Uma gazela, eu?


Um lugar em que uma gulosa como eu não consegue terminar um sanduba, não pode ser normal

SEI QUE O LEITOR não gosta que colunistas saiam de férias, mas uma vez por ano procuro fazer uma viagem rumo à acefalia. Desta feita, como estou completando meu cinqüentenário, resolvi radicalizar e ir zerar o Q.I. em Las Vegas, templo da vileza estética e da mutretagem que Umberto Eco tão bem dissecou em seu ensaio sobre hiperrealidade.
Las Vegas é o tipo de lugar que já nasceu com a logomarca do demônio estampada na testa, mas não vou fazer aqui um longo comentário sobre a vida e obra de Bugsy Seigel, o mafioso que a gente imagina ser tão bonito quanto Warren Beatty.
Não, meu caro leitor. Hoje, quero falar de imagens que ainda ardem em minhas retinas. Veja: você pode ter síndrome de Stendhal ao inverso com a desproporção arquitetônica do lugar, com o exagero que está por todas as partes em Vegas ou com os encardidos tapetes dos cassinos "downtown", mas garanto que a coisa mais grotesca que você verá por lá é o americano comum.
Explico: depois de um dia batendo pernas em Vegas, comecei a me dar conta da porcentagem de obesos mórbidos entre os norte-americanos. Posso estar exagerando mas, de cada dez pessoas, duas ou até três mal se locomovem em razão da gordura. Daí eu pergunto: como é que Hillary Clinton ousa usar o tema da saúde pública como sua plataforma eleitoral se ela nunca nem sequer mencionou a verdade nua e crua: que os Estados Unidos estão profundamente enfermos, com as veias entupidas e o pâncreas inflamado pelo excesso de gordura animal?
Como é que o cineasta e demagogo profissional Michael Moore ousa fazer seu mais recente filme-denúncia, "Sicko", sobre o problema da saúde pública nos EUA, se não olha para o próprio umbigo e admite que ele mesmo é parte do problema e que a população que ele integra, a dos obesos mórbidos, está mais propensa a ter, entre outros, infarte, derrame, diabetes, câncer e artrite?
Um lugar em que uma mulherona do meu tamanho chega a se sentir uma gazela ou um flamingo (dependendo do horário do dia), não pode ser um lugar normal. Um lugar em que, por conta dos tamanhos das porções, uma gulosa como eu não consegue terminar uma salada e um sanduba não merece ser um endereço recomendável.

Na mosca
Encontrei um bom livro na lista dos mais vendidos nos EUA. Trata-se de "The Greatest Story Ever Sold" (A Maior História Já Vendida), de Frank Rich, ex-colunista de teatro do "The New York Times" e da revista "Time". Ninguém melhor do que um crítico de teatro para falar sobre a encenação que é a presidência Bush. Muito bem pesquisado, o livro conta como a falta de credenciais do então candidato Bush era tão flagrante, e sua passagem pelo governo do Texas tão insossa, que os patrocinadores de sua campanha resolveram inventar que ele é um alcoólatra recuperado e convertido ao cristianismo. Pois Rich consegue provar que nem mesmo dessa proeza ele foi capaz. Seu rancho no Texas, que nos foi vendido como sendo a casa ancestral dos Bush, é outra fabricação. Para talhá-lo como John Wayne, foi comprado pela mesma gente pouco antes da eleição presidencial. Na verdade, Bush nasceu em Connecticut e viveu a maior parte da vida na Costa Leste.

barbara@uol.com.br


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