São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2008

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GILBERTO DIMENSTEIN

O festival do grotesco


Na cidade insegura, com indicadores ruins de saúde e educação, discute-se se o prefeito é casado ou tem filhos


É COMO SE A CIDADE se transformasse num gigantesco palco e seus habitantes, numa platéia. Nesta semana, em São Paulo, há opções para todos os gostos -até para quem aprecia o grotesco. Está em exibição o 1º Festival de Teatro Grotesco. Para quem gosta de literatura infantil, um festival da arte de contar histórias, espalhado por 22 bibliotecas e seis parques.
Já seria atração suficiente a maratona de 454 filmes, de 75 países, reunidos na Mostra Internacional de Cinema. O Tim Festival traz alguns dos astros na vanguarda música eletrônica, com 29 atrações durante quatro dias. Por 80 horas ininterruptas, 21 teatros serão ocupados para o festival Satyrianas.
Há também um festival dedicado apenas a histórias em quadrinhos, considerado o maior no gênero na América Latina.
Só neste domingo, os paulistanos poderão optar por shows gratuitos que vão de uma orquestra sinfônica russa aos Titãs, passando pela roqueira Pitty. Mas nenhum espetáculo se compara ao impacto até em pirotecnia e barulho do que vimos, na quinta-feira, em frente ao Palácio dos Bandeirantes, quando se enfrentaram policiais militares e civis. As cenas do enfrentamento policial, deixando insegura toda uma cidade por quem deveria deixá-la segura, colocam o festival do grotesco mais próximo da ingenuidade do festival de contação de histórias infantis. É um magnífico resumo do que estamos vendo na cidade nesta reta final das eleições.

 

Na mesma cidade que se converte, com os inúmeros shows e holofotes, num luminoso palco e revela as luzes de toda uma comunidade, estamos assistindo ao espetáculo eleitoral com toques do grotesco. José Serra tentou fazer do choque entre as polícias um evento basicamente eleitoral -e com foco na disputa municipal. É uma óbvia forçada de barra, não resiste a dois segundos de reflexão. Por que, afinal, Marta Suplicy e seus aliados, que estão em larga desvantagem, como voltou a apontar ontem o Datafolha, gostariam de se associar à imagem de uma baderna? Justo ela que já anda mal na classe média.
 

Marta, por sinal, ainda está no meio do tiroteio, por ter protagonizado o mais polêmico gesto do espetáculo das eleições, ao cutucar a vida pessoal de Kassab. Esse cutucão se converteu na mais efervescente polêmica da mais importante cidade do país. Na cidade insegura, engarrafada, com indicadores ruins de saúde e educação, discute-se se o prefeito é casado ou tem filhos -e uma discussão lançada por uma sexóloga que se apresenta como vanguarda. Mais uma peça para concorrer com o festival do grotesco.
 

Na semana passada, Gilberto Kassab apareceu ao lado de Serra, com um gigantesco cheque, para marcar mais uma ajuda ao metrô. O gesto é uma peça de campanha, claro, embora possa até mesmo ter a proteção da lei. Mas tanto o governador, que viu jogada eleitoral por trás da manifestação dos policiais, como o prefeito juram que a cerimônia era apenas um ato administrativo. Marta Suplicy anuncia a construção de 47 quilômetros de metrô como se coubesse ao prefeito tal tarefa e como se o dinheiro já estivesse disponível. E, pior, insinua que, se ela não for eleita, Lula não vai dar o dinheiro para a cidade -é como se os recursos públicos não fossem do contribuinte, mas do PT. É a mesma mensagem implícita na propaganda de Gilberto Kassab, tão atrelada à imagem do governador. Daí que o tal cheque ao metrô é obviamente um gesto da campanha.
 

Pode-se argumentar (com certa razão) que tudo isso faz parte de qualquer campanha eleitoral. Mas, por essas e outras, estão tão distantes (e cada vez mais) a criatividade da cidade com seus palcos luminosos e a cidade do poder, cuja pirotecnia é feita de promessas vazias, jogadinhas de marketing e, às vezes, até no grotesco do choque entre policiais.
 

PS: Para ser justo. Certamente foi um dos piores momentos políticos da vida de Marta Suplicy a publicidade sobre a vida pessoal de Kassab -só pode ser atribuído ao desespero de campanha. Mas, para ser justo, isso não deveria passar uma borracha em todo seu trabalho em defesa da diversidade sexual, que considero corajoso e de vanguarda. Se ela tivesse apenas pedido desculpas pela ofensa, teria sido muito melhor para sua biografia. Dizer que não sabia e responsabilizar o marqueteiro e, ainda por cima, sair defendendo a publicidade, apenas aumentou o grotesco.

gdimen@uol.com.br


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