São Paulo, domingo, 19 de novembro de 2006

Texto Anterior | Índice

Requisitos para ser um executivo top vão além do currículo

As senhas de acesso ao pódio do milionário mundo corporativo envolvem fazer chapinha, usar salto alto e enrolar a língua

"Hoje, para ser um executivo "high profile" não basta ser, é preciso parecer", afirma o empresário Roberto Justus, 51

MARIANNE PIEMONTE
DA REVISTA DA FOLHA

Sejamos justos: é preciso mais que topete para chegar a CEO. No disputadíssimo mundo do colarinho branco, há que fazer chapinha, enrolar a língua e engolir "frogs" para almejar o "benchmark" que dá direito a salários de sonho.
No Brasil, os tops são 121 profissionais, gente de alto calibre, que recebe salários acima de R$ 135 mil por mês. Na faixa dos R$ 56 mil, são 2.170 diretores e vice-presidentes, segundo pesquisa da Mercer, principal consultoria no mercado empresarial para América Latina.
"Hoje, para ser um executivo "high profile" não basta ser, é preciso parecer", diz o empresário Roberto Justus, 51, que assumiu sua porção "executive search" ao comandar um reality show de aspirantes a executivos, "O Aprendiz".
E que o leitor perdoe o idioma híbrido: o uso exaustivo de termos do inglês é um dos cacoetes fundamentais para entender o universo corporativo.
CEO e presidente do grupo de comunicação Newcomm, Justus tem sua receita para uma empresa atraente aos olhos dos clientes: contratar "cool people", executivos que caibam na sigla "P.A.S.". Significa "people, attitude and style" ou, em bom português, gente com atitude e estilo.
Justus explica a importância de "parecer": "Deus está nos detalhes". Por "detalhes", entenda o verdadeiro manual das etiquetas: terno Zegna, tailleur Chanel, pastinha Louis Vuitton, caneta GrafVon Faber e relógio Audemars Piguets.
Mesmo porque o julgamento dos pares costuma ser implacável. "Um diretor da empresa americana onde trabalhei foi apresentar um projeto para o vice-presidente de telecomunicações. No final, o cliente perguntou onde o diretor havia conseguido aquele relógio de "segunda linha" -era um colecionador e percebeu que o Rolex era falso. Para nós, perdeu totalmente a credibilidade", diz Elaine Vilela, 35, diretora de marketing e comunicação de uma multinacional israelense.
Quem tem alma engravatada não tem esses problemas. O engenheiro Thiago Santana, 28, candidato ao MBA executivo no Ibmec, aboliu os tênis e não abre mão do terno nem no "casual day", dia em que as empresas permitem o uso de trajes mais despojados.
A audácia dos ""headhunters" deixa marcas na vida de alguns executivos. Ana Paula Serodio, 35, ficou perplexa quando, ao saber que ela tinhas duas filhas, o profissional americano que a entrevistava perguntou se ela não achava irresponsabilidade pôr duas crianças no mundo -afinal, ela teria que se dividir entre a família e a corporação.
Ana não foi contratada, apesar da imersão em Havard, do MBA em marketing na USP e o de finanças obtido no Ibmec.

"Too much"
Com um MBA em finança corporativa e estratégia na Universidade Wharton, na Pensilvânia, e após ter trabalhado em bancos de investimentos, em Paris, Suíça e Emirados Árabes, o francês da Martinica Jea-Marc Laouchez, 43, desistiu.
"Eu fazia parte desse circo quando, por trás da fantasia (o terno, o carro, os jantares), havia o objetivo de empreender. Quando passei a me questionar sobre aquelas regras e percebi que a minha missão de vida não estava alinhada com os interesses da empresa, resolvi seguir meu caminho", conta.
Casado com uma colombiana, pai de uma filha americana e outra brasileira, ele abriu uma loja na Vila Madalena em que mistura moda e beleza. A Maison Criola quer trazer jovens talentosos de comunidades carentes para assinar coleções. Mas não esqueceu os ensinamentos de Adam Smith: "Aprendi no mundo corporativo, não adianta fazer caridade, ser bonzinho, é preciso ensiná-los o jogo do capital."


Texto Anterior: Crise no ar: Aeronáutica vai investigar conduta de controladores
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.