São Paulo, quinta-feira, 19 de novembro de 2009

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PASQUALE CIPRO NETO

"Apagão" é diferente de "blecaute"?


O fato é que Lula e seus aliados não querem que se lhes pespegue a mesma pecha aplicada em FHC

"ALÔ? É DE BRASÍLIA? Alguém pode me dizer se o que houve na semana passada foi apagão ou blecaute?"
Salvo um engano daqueles, acho que o pessoal do governo federal trocou "apagão" por "blecaute". Até imagino a cena. Toca o telefone no ministério das Minas e Energia:
"-Alô? É das Minas e Energia?
-Sim. Quem está falando?
-É o Palhares. Liguei para dar uma ordem: nada de "apagão". Tanto nas entrevistas quanto nas "notas à imprensa", só "blecaute", certo?".
É claro que fiquei um tanto intrigado quando percebi que nossas autoridades começaram orquestradamente a empregar "blecaute". Será que eles acham que uma coisa é diferente da outra? Ou será que acham que "blecaute", por ser (hoje) bem menos usada do que "apagão", assusta menos ou (???) desvia o foco e faz o povo achar que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa?
O episódio me traz à mente um sem-número de textos, piadas etc. Lembro-me, por exemplo, do genial conto "Plebiscito", de Artur de Azevedo, em que Manduca pergunta ao pai (Rodrigues) o que é "plebiscito".
O pai não sabe, mas não assume isso; discute com a mulher, que o insta a dizer o que é "plebiscito". Rodrigues vai para o quarto, onde acha a salvação (o dicionário). Chamado pela mulher, volta à sala e diz, sobranceiro: ""Plebiscito" é uma lei decretada pelo povo romano, estabelecido em comícios. Uma lei romana, percebem? E querem introduzi-la no Brasil! É mais um estrangeirismo!...".
Lembro-me também de uma deliciosa piada, cujos personagens são dois matutos (marido e mulher). O homem vai ao médico, sai do consultório com a receita, passa na farmácia e vai para casa com o "fruto", uma caixa de supositórios. Aberta a caixa, marido e mulher estranham o tamanho da coisa. "E isso passa na garganta, mulher?" O pobre volta ao médico, que explica que aquilo tem de ser posto no reto. O marido volta para casa e dá a notícia à mulher. "E onde é o reto?", entreperguntam-se.
"Volta lá e pergunta", diz ela. E o pobre obedece. O médico explica que o remédio tem de ser posto no ânus. O homem volta para casa e... E novo entreolhar-se interrogativo. "Volta lá", torna a dizer a mulher. "Eu não!
Capaz dele mandar enfiar no...".
Como se vê, são muitos os casos em que palavras diversas nomeiam o mesmo ser. O que as diferencia muitas vezes é a linguagem em que se inserem. No caso do supositório, por exemplo, "ânus" e "reto" são termos técnicos, de pouco ou nenhum uso no dia a dia, o que não ocorre com o impublicável (no Brasil) monossílabo, do qual, por sinal, provém a doce e insuspeita palavra "cueiro".
O fato é que Lula e sua trupe querem se livrar da lembrança do que ocorreu na era FHC, o que, verdade seja dita, não foi nem blecaute nem apagão (embora o nome "apagão" tenha ficado como definitivo e errado para nomear o racionamento de energia imposto em 2001 e 2002).
Aviso aos navegantes: "apagão" (que, diz o "Houaiss", vem do espanhol "apagón") é sinônimo, sem tirar nem pôr, de "blecaute", aportuguesamento de "blackout", palavra inglesa que, por sua vez, resulta da expressão verbal "to black out" ("escurecer completamente"). Como se vê, ao querer criar uma inexistente diferença semântica entre "apagão" e "blecaute", o governo Lula toma como certo o que é errado (chamar de "apagão" o que houve sob FHC).
P.S.: não resisto à tentação de dizer que a palavra "blecaute" me traz lembranças mais doces. Refiro-me a um grande artista brasileiro, o ator e cantor Blecaute, o "General da Banda", como ficou conhecido no anos 50 e 60, após o estrondoso sucesso com um samba homônimo. É isso.

inculta@uol.com.br


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