São Paulo, sexta-feira, 19 de novembro de 2010

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Holocausto visto pelo gueto

Eva Schloss, sobrevivente de Auschwitz , falou a meninos e meninas do CEU Paraisópolis sobre a experiência vivida na Segunda Guerra Mundial; "ela veio aqui para falar que as pessoas têm de se respeitar ", diz estudante de 14 anos

LAURA CAPRIGLIONE
DE SÃO PAULO

A austríaca Eva Schloss, 81, judia sobrevivente dos campos de extermínio nazistas, mergulhou ontem pela manhã no bolsão de miséria do bairro Paraisópolis (segunda maior área favelizada de São Paulo) para falar sobre a experiência de exclusão radical que viveu durante a Segunda Guerra Mundial.
Os 120 manos e minas que a escutavam, alunos do CEU (Centro Educacional Unificado) Paraisópolis, receberam-na ao ritmo do hip hop e, então, se calaram. A voz firme de Eva contou-lhes em inglês histórias de preconceitos, cadáveres em valas comuns, medo de soldados, gente vivendo em esconderijos.
Nem a espera pela tradução conseguiu dispersar os meninos. O gueto de Paraisópolis encontrou-se com Viena e Amsterdã, cidades em que Eva viveu até ser arremessada no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, onde seu pai e o irmão morreram.
A turma já tinha lido a história de Anne Frank, que foi vizinha de Eva quando ambas, adolescentes ainda, viviam em Amsterdã.
Mas, no CEU, a curiosidade era concreta. "Posso ver a sua tatuagem?" Eva assentiu, mostrando o número A/ 5271, gravado no braço.
"A senhora sabe onde estão enterrados o seu pai e seu irmão?", perguntou-lhe uma menina. Foi informada de que não. Eva sabe apenas onde eles morreram.
"O que a senhora diria para Hitler, se pudesse falar com ele?" "Perguntaria como ele foi capaz de mandar assassinar tantos milhões de pessoas."
Os meninos fizeram fila para saber: "Como era o chuveiro? O chuveiro da câmara de gás." "A senhora conheceu o grande amor de Anne Frank? [depois da guerra, a mãe de Eva casou-se com o pai de Anne, ambos viúvos]". "Como era o esconderijo onde a senhora ficou até ser presa?" "A senhora não pensou em morrer, em desistir?" "O que inspirou a senhora a continuar viva?"
Eva foi direta: "Eu nunca pensei em morrer. Eu nunca desisti. Eu tinha vivido dias muito felizes em Viena [Áustria]. Queria ainda namorar, casar, ter filhos, netos. Isso me manteve viva."
"Para gente como eu, não é preciso colocar uma estrela amarela na roupa, porque a cor da pele já me identifica. "Tição, carniça, macaco, neguinho da macumba", eu já ouvi isso um milhão de vezes. Eu fico triste. Por isso, gostei de a dona Eva falar sobre não desistir nunca", disse o menino negro Jonatas, 12, da 6ª série.
Ana Paula, 14, da 8ª série, adorou o encontro com a sobrevivente do Holocausto. "Ela veio aqui para falar que as pessoas têm de se respeitar. Eu sou deficiente -tenho problemas nos pés e nos olhos- e não gosto nem de imaginar que alguém seja morto ou jogado em um campo de concentração por causa de um problema físico."
"Mas tem coisas horríveis que ainda acontecem", emenda Guilherme, 13, da 7ª série: "Eu fiquei muito revoltado com um menino da minha sala que bateu num colega nosso só porque ele era deficiente mental. Isso é cruel demais."
Quando a conversa entre discriminados de século diferentes se encerrou, Eva foi cercada por um enxame de meninos e meninas que, sem falar uma palavra de inglês, diziam em português mesmo sobre suas dores.
Sorrindo, Eva autografou folhas arrancadas de cadernos e exemplares do livro "A História de Eva" (Record, R$ 39,90), de sua autoria, que distribuiu na escola. "Meninos inteligentes, esses", elogiou.


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