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Holocausto visto pelo gueto
Eva Schloss, sobrevivente de Auschwitz , falou a meninos e meninas do CEU
Paraisópolis sobre a experiência vivida na Segunda Guerra Mundial; "ela veio
aqui para falar que as pessoas têm de se respeitar ", diz estudante de 14 anos
LAURA CAPRIGLIONE
DE SÃO PAULO
A austríaca Eva Schloss,
81, judia sobrevivente dos
campos de extermínio nazistas, mergulhou ontem pela
manhã no bolsão de miséria
do bairro Paraisópolis (segunda maior área favelizada
de São Paulo) para falar sobre a experiência de exclusão
radical que viveu durante a
Segunda Guerra Mundial.
Os 120 manos e minas que
a escutavam, alunos do CEU
(Centro Educacional Unificado) Paraisópolis, receberam-na ao ritmo do hip hop e, então, se calaram. A voz firme
de Eva contou-lhes em inglês
histórias de preconceitos, cadáveres em valas comuns,
medo de soldados, gente vivendo em esconderijos.
Nem a espera pela tradução conseguiu dispersar os
meninos. O gueto de Paraisópolis encontrou-se com Viena e Amsterdã, cidades em
que Eva viveu até ser arremessada no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, onde seu pai e o irmão morreram.
A turma já tinha lido a história de Anne Frank, que foi
vizinha de Eva quando ambas, adolescentes ainda, viviam em Amsterdã.
Mas, no CEU, a curiosidade era concreta. "Posso ver a
sua tatuagem?" Eva assentiu, mostrando o número A/
5271, gravado no braço.
"A senhora sabe onde estão enterrados o seu pai e seu
irmão?", perguntou-lhe uma
menina. Foi informada de
que não. Eva sabe apenas onde eles morreram.
"O que a senhora diria para Hitler, se pudesse falar
com ele?" "Perguntaria como
ele foi capaz de mandar assassinar tantos milhões de
pessoas."
Os meninos fizeram fila
para saber: "Como era o chuveiro? O chuveiro da câmara
de gás." "A senhora conheceu o grande amor de Anne
Frank? [depois da guerra, a
mãe de Eva casou-se com o
pai de Anne, ambos viúvos]".
"Como era o esconderijo onde a senhora ficou até ser presa?" "A senhora não pensou
em morrer, em desistir?" "O
que inspirou a senhora a continuar viva?"
Eva foi direta: "Eu nunca
pensei em morrer. Eu nunca
desisti. Eu tinha vivido dias
muito felizes em Viena [Áustria]. Queria ainda namorar,
casar, ter filhos, netos. Isso
me manteve viva."
"Para gente como eu, não
é preciso colocar uma estrela
amarela na roupa, porque a
cor da pele já me identifica.
"Tição, carniça, macaco, neguinho da macumba", eu já
ouvi isso um milhão de vezes. Eu fico triste. Por isso,
gostei de a dona Eva falar sobre não desistir nunca", disse o menino negro Jonatas,
12, da 6ª série.
Ana Paula, 14, da 8ª série,
adorou o encontro com a sobrevivente do Holocausto.
"Ela veio aqui para falar que
as pessoas têm de se respeitar. Eu sou deficiente -tenho
problemas nos pés e nos
olhos- e não gosto nem de
imaginar que alguém seja
morto ou jogado em um campo de concentração por causa de um problema físico."
"Mas tem coisas horríveis
que ainda acontecem",
emenda Guilherme, 13, da 7ª
série: "Eu fiquei muito revoltado com um menino da minha sala que bateu num colega nosso só porque ele era
deficiente mental. Isso é
cruel demais."
Quando a conversa entre
discriminados de século diferentes se encerrou, Eva foi
cercada por um enxame de
meninos e meninas que, sem
falar uma palavra de inglês,
diziam em português mesmo
sobre suas dores.
Sorrindo, Eva autografou
folhas arrancadas de cadernos e exemplares do livro "A
História de Eva" (Record, R$
39,90), de sua autoria, que distribuiu na escola. "Meninos inteligentes,
esses", elogiou.
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