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SP 450
Em 1964, movimento arregimentou setores conservadores da sociedade em uma grande passeata contra o governo de João Goulart
MARCHA serviu de aval para ação dos militares em 64
KIYOMORI MORI
DA REPORTAGEM LOCAL
Eles foram chegando aos poucos à praça da República. E,
antes das 14h, já ocupavam todos os espaços do local. Quando
partiram em direção
à catedral da Sé, somavam, segundo estimativas da época,
meio milhão de pessoas, ou cerca de 10%
da população da cidade de São Paulo
naquele ano.
Era a Marcha da
Família com Deus
pela Liberdade, uma
das maiores demonstrações populares da
história do país, que
aconteceu no dia 19
de março de 1964,
exigindo o fim do governo do presidente
João Goulart.
"A gente não esperava reunir tanta gente. Foi uma tremenda
surpresa para todas
nós", lembra a orgulhosa aposentada
Maria Paula Caetano
da Silva, 72, uma das fundadoras
da União Cívica Feminina, principal organizadora da passeata.
A manifestação serviu como
uma espécie de "aval" da população civil para o movimento militar que aconteceu no dia 31 de
março -que Maria Paula prefere
chamar de "revolução de 64"-,
responsável pela deposição do
presidente.
"Os valores cívicos estavam
ameaçados, era preciso restabelecer a ordem. E somente os militares poderiam fazer aquilo naquele
momento delicado", afirma.
Mas, segundo diz Maria Paula, o
que se esperava é que houvesse
eleições diretas para presidente
em 1965, o que não aconteceu.
"A Marcha da Família não tem
culpa da ditadura que se seguiu.
Qualquer pessoa sensata é contrária aos excessos que se cometeram nos anos de chumbo, e nós
sempre fomos pela democracia e
pelos valores cívicos."
O governo de João Goulart, que
havia começado em 1961 com a
renúncia de Jânio Quadros, foi
marcado por crises políticas, econômicas e sociais.
O "Plano Trienal",
criado por Jango, determinava as chamadas reformas de base
nos setores agrário,
fiscal, educacional,
bancário e eleitoral,
buscando desenvolver o chamado "capitalismo nacional".
Mas as mudanças
propostas desagradavam os setores
mais conservadores
da sociedade, inclusive os militares.
Em 13 de março,
em um comício na
estação Central do
Brasil, no Rio de Janeiro, Jango decretou a nacionalização
das refinarias privadas de petróleo e desapropriou, para a
reforma agrária, terras às margens de
ferrovias, rodovias e
zonas de irrigação de
açudes públicos.
Além disso, afirmou
que "rosários da fé"
não podiam "ser levantados contra o
povo", referindo-se
um episódio de Belo
Horizonte em que um grupo de
mulheres havia impedido Leonel
Brizola de discursar.
Isso serviu de estopim para a
Marcha da Família, que a princípio se chamaria "Marcha de Desagravo ao Santo Rosário", marcada para acontecer no dia de São
José, padroeiro da família.
"Foi uma reação à baderna que
estava tomando conta do país.
Não podíamos deixar as coisas
continuarem do jeito que estavam
sob o risco de os comunistas tomarem o poder", diz Maria Paula.
Assim, as líderes das associações femininas de São Paulo começaram a estabelecer uma rede
de contatos para convocar mulheres. "Quase não dormi nesses
dias. A gente teve pouco tempo
para organizar a saída às ruas."
Aos gritos de "um, dois, três,
Jango no xadrez" e carregando
faixas com palavras de ordem
("Viva a democracia, abaixo o comunismo" ou "Abaixo os imperialistas vermelhos"), os manifestantes desfilaram pelas ruas do
centro. "Foi maravilhoso. Para
mim, até hoje essa passeata ainda
não acabou", diz Maria Paula.
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