São Paulo, terça-feira, 20 de janeiro de 2004

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SP 450

Em 1964, movimento arregimentou setores conservadores da sociedade em uma grande passeata contra o governo de João Goulart

MARCHA serviu de aval para ação dos militares em 64

KIYOMORI MORI
DA REPORTAGEM LOCAL

Eles foram chegando aos poucos à praça da República. E, antes das 14h, já ocupavam todos os espaços do local. Quando partiram em direção à catedral da Sé, somavam, segundo estimativas da época, meio milhão de pessoas, ou cerca de 10% da população da cidade de São Paulo naquele ano.
Era a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, uma das maiores demonstrações populares da história do país, que aconteceu no dia 19 de março de 1964, exigindo o fim do governo do presidente João Goulart.
"A gente não esperava reunir tanta gente. Foi uma tremenda surpresa para todas nós", lembra a orgulhosa aposentada Maria Paula Caetano da Silva, 72, uma das fundadoras da União Cívica Feminina, principal organizadora da passeata.
A manifestação serviu como uma espécie de "aval" da população civil para o movimento militar que aconteceu no dia 31 de março -que Maria Paula prefere chamar de "revolução de 64"-, responsável pela deposição do presidente.
"Os valores cívicos estavam ameaçados, era preciso restabelecer a ordem. E somente os militares poderiam fazer aquilo naquele momento delicado", afirma.
Mas, segundo diz Maria Paula, o que se esperava é que houvesse eleições diretas para presidente em 1965, o que não aconteceu.
"A Marcha da Família não tem culpa da ditadura que se seguiu. Qualquer pessoa sensata é contrária aos excessos que se cometeram nos anos de chumbo, e nós sempre fomos pela democracia e pelos valores cívicos."
O governo de João Goulart, que havia começado em 1961 com a renúncia de Jânio Quadros, foi marcado por crises políticas, econômicas e sociais.
O "Plano Trienal", criado por Jango, determinava as chamadas reformas de base nos setores agrário, fiscal, educacional, bancário e eleitoral, buscando desenvolver o chamado "capitalismo nacional".
Mas as mudanças propostas desagradavam os setores mais conservadores da sociedade, inclusive os militares.
Em 13 de março, em um comício na estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro, Jango decretou a nacionalização das refinarias privadas de petróleo e desapropriou, para a reforma agrária, terras às margens de ferrovias, rodovias e zonas de irrigação de açudes públicos. Além disso, afirmou que "rosários da fé" não podiam "ser levantados contra o povo", referindo-se um episódio de Belo Horizonte em que um grupo de mulheres havia impedido Leonel Brizola de discursar.
Isso serviu de estopim para a Marcha da Família, que a princípio se chamaria "Marcha de Desagravo ao Santo Rosário", marcada para acontecer no dia de São José, padroeiro da família.
"Foi uma reação à baderna que estava tomando conta do país. Não podíamos deixar as coisas continuarem do jeito que estavam sob o risco de os comunistas tomarem o poder", diz Maria Paula.
Assim, as líderes das associações femininas de São Paulo começaram a estabelecer uma rede de contatos para convocar mulheres. "Quase não dormi nesses dias. A gente teve pouco tempo para organizar a saída às ruas."
Aos gritos de "um, dois, três, Jango no xadrez" e carregando faixas com palavras de ordem ("Viva a democracia, abaixo o comunismo" ou "Abaixo os imperialistas vermelhos"), os manifestantes desfilaram pelas ruas do centro. "Foi maravilhoso. Para mim, até hoje essa passeata ainda não acabou", diz Maria Paula.


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