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São Paulo, quinta-feira, 20 de março de 2003

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PASQUALE CIPRO NETO

O feixe, a valva e a flama

Quem não se lembra daquelas "deliciosas" aulas de português, em que era preciso decorar listas e mais listas, como as dos aumentativos e diminutivos? Ficávamos sabendo que o diminutivo de "feixe", por exemplo, é "fascículo", que o de "corpo" é "corpúsculo" e assim por diante.
Neste espaço, já afirmei várias vezes que infinitamente mais importante do que decorar é entender. Saber que o diminutivo de "feixe" é "fascículo" sem saber o porquê disso é como não saber nada. É como saber que cadeira é cadeira ou que bola é bola.
Muito melhor do que uma lista de diminutivos é a explicação do porquê de certas formas. No caso de "fascículo", por exemplo, o professor pode dizer que "feixe", "fascículo" e "fascismo", entre outras, são palavras cognatas, ou seja, têm raiz (latina) comum, pertencem à mesma família. Um fascículo de uma publicação nada mais é do que um pequeno feixe (do latim "fascis") de folhas.
O nome do "fascismo" vem justamente de "fascio", que, em italiano, corresponde ao nosso "feixe". O "Aurélio" define "fascismo" como "sistema político nacionalista, imperialista, antiliberal e antidemocrático (...) que tinha por emblema o feixe de varas dos antigos lictores romanos".
"Lictor" (não há acento, portanto a palavra é oxítona) é "oficial que, na antiga Roma, acompanhava os magistrados com um molho de varas e uma machadinha para as execuções da justiça".
Essa viagem pela origem das palavras pode desaguar na história, na filosofia etc. e daí numa das recomendações dos "Parâmetros Curriculares Nacionais" (a relação entre as disciplinas).
Pois bem, dia desses, submeti-me a um ecocardiograma. Explicando-me o que via no monitor, a médica que me atendeu disse que "a valva isso, a valva aquilo...".
Por mais que soubesse que, como as define o "Aurélio", as terminações (latinas) "-ulo/-ula" são formadoras "de diminutivos eruditos e/ou de vocábulos eruditos (cujo valor diminutivo acrescenta noção específica ao termo)", demorei a "traduzir" a "valva", de que "válvula" é diminutivo. O "-ula" de "válvula" tem o mesmo valor (de diminutivo) do "-ulo" de "fascículo".
De fato, a primeira definição do "Aurélio" para "válvula" é "pequena valva"; a primeira para "fascículo" é "feixinho".
Não são poucos os casos de palavras cuja noção de diminutivo desaparece com o uso e o tempo. Quando se fala de certas doenças, quem relaciona "nódulo" a "nó"? Literalmente, "nódulo" é "nozinho", "nó pequeno", assim como "óvulo" é "ovo pequeno", e "glóbulo" ("glóbulos vermelhos/ brancos") é "globo pequeno".
Um caso interessante é o de "flâmula", diminutivo de "flama" (sinônimo de "chama"). "Chama" e "flama" vêm da mesma palavra latina ("flamma"). Talvez pelo formato (que pode lembrar o de uma pequena chama), a flâmula acabou dando nome ao que se usa, como sinalização, em embarcações, e, por conseguinte, ao que se usa como pequeno estandarte, bandeira, símbolo etc.
Não lhe parece, caro leitor, que, quando sabemos o porquê de certas coisas, fica mais fácil (e agradável) aprendê-las? É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br


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