São Paulo, terça-feira, 20 de abril de 2004

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HABITAÇÃO

Encortiçados da região central ocuparam prédio desativado da Polícia Militar e foram expulsos pela tropa de choque

Invasão de quartel termina em pancadaria

Marlene Bergamo/Folha Imagem
Invasores escalam muro do edifício


LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

Foram 1.200 invasores, segundo o Movimento dos Sem-Teto do Centro. Trezentos, segundo a PM. Quando os 12 ônibus alugados pararam defronte ao velho quartel da Polícia Militar, no Parque Dom Pedro, região central de São Paulo, por volta da 0h de ontem, despejando sua carga humana silenciosa, a senha foi dada. Das ruas vizinhas afluíram dezenas e dezenas de outros sem-teto. Juntos, eles escalaram os muros do edifício, entraram e comemoraram a ocupação. "Lutar, resistir, construir, morar", gritaram.
Do contingente invasor, a maioria compunha-se de moradores de cortiços do centro e de bairros próximos, como Barra Funda e Cambuci. Eles foram recrutados para o movimento há um ano, quando teve início a preparação da atual onda de invasões.
Para a presidente da Central de Movimentos Populares, Maria das Graças Xavier, 38, a invasão do quartel da PM, um imóvel estadual desativado há anos, chamaria a atenção para o que chama de "descaso do governo Alckmin com a habitação popular". Para o secretário estadual da Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, a invasão foi uma "inaceitável tentativa de desmoralização da PM". A oposição de pontos de vista resolveu-se na pancadaria.
À 1h, à força de bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral, além de balas de borracha e cacetadas, a tropa de choque deu e cumpriu a ordem de despejo. Três pessoas precisaram de cuidados médicos, após a operação, entre elas o fotógrafo do jornal "Agora" Anderson Prado, atingido na perna esquerda por uma bala de borracha. Oito dirigentes do movimento foram presos.
A polícia mobilizou cerca de 80 soldados do batalhão de choque para a desocupação. Quando o comandante da PM Leandro Pavani chegou ao local, sabia que algo como 50% dos efetivos adversários compunham-se de mulheres e crianças, algumas de colo.
O comandante logo ordenou às lideranças dos sem-teto: "Saiam todos do quartel e coloquem-se na calçada do lado oposto da rua". Quinze minutos depois, a tropa entrou no prédio invadido.
O quartel, uma construção oitocentista erguida em taipa de pilão com anexos em tijolos, tem ambientes com chão de madeira. Corroídas pelo tempo e pela umidade, as tábuas não suportaram o tam-tam forte e ritmado das botas dos PMs avançando pelo corredor central do prédio, nem o corre-corre esbaforido dos sem-teto diante da repressão.
Em muitos pontos, o chão cedeu, pessoas caíam umas sobre as outras. "Socorro, meu pé prendeu no buraco", gritava uma mulher, bebê de meses nos braços. Em outro ponto, numa sala que trazia um cartaz escrito "Sala dos Sargentos", ouviam-se os gritos de Maria de Fátima Gandolfo, 58, apavorada com o avanço da tropa, com a escuridão total e com o receio de sofrer um novo derrame (ela arrastava a perna esquerda, seqüela de um acidente anterior).
Na saída forçada do prédio, os sem-teto ainda tentaram permanecer concentrados. A polícia não deixou e os invasores revidaram, atirando pedras e garrafas. Cinco veículos da Guarda Civil Metropolitana, que dava apoio à ação da PM, também acabaram danificados. Novo revide, agora da tropa, e o confronto se encerrou. Marchando em linha, protegidos por escudos em que batiam seus cassetetes, os soldados atiraram bombas de gás e de efeito moral.
À 1h50, em frente ao quartel havia apenas 50 sem-teto renitentes, cinegrafistas, repórteres e fotógrafos. A desempregada Valdecyr da Silva Novaes, 28, ainda conseguia gritar à tropa: "Queria ver vocês entrarem com essa coragem toda numa boca de tráfico".
Sede de chácara (1842), depois transformado em Hospício dos Alienados (1862 a 1903), depois em quartel do Exército e, por fim, entregue à PM, o prédio velho da avenida do Estado foi tombado em 1981. Está quase em ruínas. Depois da pancadaria, volta à calmaria de seus fantasmas.

Colaborou o "AGORA"


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