São Paulo, domingo, 20 de abril de 2008 |
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GILBERTO DIMENSTEIN Isabellas clandestinas
UMA EQUIPE DE pesquisadores
da Unifesp (Universidade
Federal de São Paulo) está
investigando o comportamento de
800 famílias da periferia de São Paulo -e se deparando com as Isabellas
clandestinas, vítimas da violência
doméstica que, por causa de sua
condição social e da impunidade,
não se transformam em notícia.
A Unifesp está aprofundando números já divulgados pelo Lacri (Laboratório de Estudos da Criança), da USP, baseados nas mais diferentes fontes, como hospitais, conselhos tutelares e juizados: de 1996 a 2007, foram registrados, no país, 49.481 casos de violência grave cometida por familiares contra as crianças em suas casas. Nesse período, contabilizaram-se 532 mortes. Aquela entidade da USP admite que apenas uma pequena parcela dos casos é denunciada. O assunto, na maioria das vezes, morre no silêncio cúmplice. Daí a importância do estudo da Unifesp, feito de casa em casa, no qual se revela, com mais precisão, o tamanho da epidemia da violência familiar. Está aqui um dos ovos de serpente da selvageria brasileira: os agressores do futuro são os agredidos do passado, gerando-se um círculo vicioso. Acompanho o assunto da delinqüência infanto-juvenil desde o final da década de 1980. Nunca (vou repetir, nunca) conheci uma criança agressora que não contasse histórias sobre ter sido vítima de espancamentos dentro de casa. Nem toda criança espancada vai para a marginalidade, mas quase todos os marginais passaram pela violência ou, no mínimo, foram vítimas dos casos graves de negligência -o que é entendido também como violência. Neste mês, foi publicado um estudo do Instituto de Psiquiatria de Londres que mostra uma combinação perversa para as vítimas de maus-tratos na infância. A vítima tende a se tornar agressor quando, além do trauma psicológico, sofre de uma falha genética -baixa produção de uma determinada enzima que ajuda a regular a quantidade de serotonina, molécula que influi no controle da agressão. Se, como mostra a pesquisa da Unifesp, a barbárie ocorre em 20% dos lares, especialmente da periferia, podemos estimar o tamanho da vulnerabilidade brasileira. No caso dos pobres, a negligência de casa vai se reproduzindo em todos os ambientes, a começar da escola, ganhando dimensão especialmente em comunidades em que a marginalidade é exaltada. A resultante óbvia desses dados é que um plano de segurança tem necessariamente de envolver programas de educação da família, com visitas de assistentes sociais às casas, além de ampliação da rede de creches, sobretudo nas periferias. Esse tipo de ação mostra resultados animadores, como se registra no programa modelo de primeira infância no Rio Grande do Sul, no qual uma assistente social é responsável por 25 famílias. É uma alternativa mais barata às creches. Ampliar o olhar para essas questões é a mais importante contribuição do caso Isabella, ao provocar, como nunca se viu, um debate sobre violência doméstica -isso, pelo menos temporariamente, deixou que o assunto não ficasse adormecido. PS - Para Cristiane Silvestre de Paula, o risco é maior nas casas comandadas por mães solteiras pobres -o que só reforça a visão dos que estabelecem uma relação entre ausência de planejamento familiar e violência. Mulheres sozinhas, com poucos recursos, cercadas de muitos filhos, tendem a ter mais estresse e a descontá-lo nos filhos. Essa é uma das razões por que, em cidades norte-americanas em que o aborto é mais facilitado, a taxa de criminalidade caiu mais intensamente. Coloquei em meu site (www.dimenstein.com.br) o relatório do projeto-piloto da Unifesp sobre violência doméstica.
gdimen@uol.com.br |
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