São Paulo, domingo, 20 de maio de 2001

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RECICLAGEM

Coleta seletiva não-oficial significa emprego e renda para catadores e economia e ganhos ambientais para a cidade

Lixo é inclusão social para 20 mil em SP

João Wainer/Folha Imagem
O ex-porteiro Carlos Roberto Santana, que há oito anos trabalha como catador de papel, chega com seu carrinho à Coopamare


MARIANA VIVEIROS
DA REPORTAGEM LOCAL

Jornais velhos, garrafas plásticas, embalagens de vidro e latas de alumínios podem ser um problema quando vão para o lixo e, de lá, para aterros sanitários. Mas podem ser também uma solução quando vão para as carroças dos cerca de 20 mil catadores em atividade na cidade de São Paulo.
Com um ganho médio mensal de R$ 300 -que pode ser maior dependendo da época do ano e do poder de barganha da hora de vender o material-, cada um deles conseguiu, por meio do lixo reciclável, escapar das estatísticas de desemprego e miséria.
Mais que isso, são vistos hoje como fundamentais na elaboração das políticas públicas de gestão de resíduos sólidos por ambientalistas, economistas e representantes da indústria.
Em São Paulo, os catadores estão em todos os lugares. Segundo estudo da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) do início do ano passado, dos cerca de 8.000 moradores de rua do centro da cidade, 3.018 (37,7%) vivem de catar material reciclável.
O Fórum Lixo e Cidadania de São Paulo -que reúne ONGs que atuam no setor- estima que mais cerca de 17 mil sobrevivam ou complementem o orçamento da mesma forma. E o fenômeno não é exclusivo da capital paulista.
A área metropolitana de Porto Alegre tem 3.800 catadores organizados em cooperativas, segundo a Federação das Associações dos Recicladores de Resíduos Sólidos do Rio Grande do Sul.
Em Belo Horizonte (MG), só a Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reciclável conta com mais de mil membros. Pesquisa constatou que, das 320 famílias associadas, 275 possuem TV, 200, aparelho de som, 175 têm máquina de lavar e 50 têm celular.

Indispensáveis
O trabalho dos catadores é "triplamente indispensável", afirma o economista Sabetai Calderoni, pesquisador do Núcleo de Políticas e Estratégias da USP e autor de "Os Bilhões Perdidos no Lixo".
O ganho social é a geração de emprego num país que, em março, tinha, segundo o IBGE, 6,5% da população -pouco mais de 11 milhões de pessoas- fora do mercado de trabalho.
O ganho econômico é a redução de gastos das prefeituras -que pagam por tonelada de lixo coletado e depositado- e das indústrias -que, ao usarem matéria-prima reciclada, gastam menos com insumos caros e ultimamente escassos, como água e energia.
Calderoni sustenta que, na cidade de São Paulo, a coleta seletiva "particular" representa uma economia anual de R$ 330 milhões.
O lixo que deixa de ir para aterros tem ainda a vantagem de não contribuir para sua superlotação. O ganho ambiental se reflete também na menor exploração (com grande potencial predatório) de recursos como petróleo e metais.
Na cidade de São Paulo, as cooperativas, somadas às iniciativas de coleta seletiva de entidades assistenciais, respondem pelo reaproveitamento de 4% do lixo produzido (cerca de 14 mil toneladas). É muito mais que o 0,03% que a prefeitura diz reciclar.
O que o município deixa de gastar por ano com o lixo (cerca de R$ 16 milhões), em consequência dessa reciclagem, é mais de 25% do necessário para implantar o Renda Mínima (R$ 60 milhões).

Parceria
"Não é ideal que a prefeitura assuma toda a limpeza pública porque isso priva a população de uma alternativa de renda", diz o coordenador da Plastivida, Luiz Briones. A Plastivida é a comissão da Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química) que cuida das questões ambientais.
A inserção dos catadores em programas de coleta seletiva já acontece em outras capitais brasileiras. Para Elizabeth Grimberg, do Fórum Lixo e Cidadania e pesquisadora do Instituto Polis, isso cria também um vínculo social entre a população e os catadores.
"A questão central hoje é superar o preconceito. O catador é uma pessoa de visual degradado, que puxa um carrinho feio e leva lixo. Representa tudo o que as pessoas querem tirar da frente."
As cooperativas buscam superar o estigma e a exploração por intermediários, como aparistas (negociantes de aparas) e donos de ferros-velhos que costumam fornecer as carroças e, "em troca", pagam menos pelo material.


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