São Paulo, domingo, 20 de maio de 2001

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DIREITOS HUMANOS

Pesquisador norte-americano diz que prática de tortura continua sendo o principal problema do país

"Brasil precisa admitir que há racismo"

GABRIELA ATHIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

O diretor do Centro de Direitos Humanos da Universidade de Columbia, em Nova York, Paul Martin, afirma que o Brasil precisa admitir o racismo como primeiro passo para reduzir a desigualdade entre negros e brancos.
"Os afro-brasileiros precisam ter mais voz", diz Martin. O centro que ele dirige, considerado um dos mais importantes do mundo, faz parte do consórcio universitário que organizou o 1º Colóquio Anual de Direitos Humanos, que está sendo realizado em São Paulo desde a semana passada.
Coordenador de pesquisadores que trabalham no Brasil, na Venezuela e no Equador, o diretor do centro diz que o país pode se tornar uma referência mundial na área de direitos humanos: "O Brasil pode ser um porta-voz dos países em desenvolvimento".
Para ele, o maior problema do país nessa área ainda é a prática da tortura. Ele diz, no entanto, que é preciso começar a dar atenção a outras demandas, como as dos negros.
A seguir, os principais trechos de entrevista concedida na última quinta-feira, em São Paulo.

Folha - Qual é o maior problema do Brasil em relação aos direitos humanos?
Martin -
A tortura. Outro problema grande é a pobreza, e depois o racismo. Muitos afro-brasileiros que estão aqui (participando do 1º Colóquio Anual de Direitos Humanos) dizem não conseguir ocupar os postos mais altos nos seus locais de trabalho.
A maioria dos palestrantes do evento é branca. Admitir que há racismo e dar voz aos afro-brasileiros deveria ser o primeiro passo para superar o problema.

Folha - O senhor diz que o Brasil tem condições de assumir a liderança na Comissão de Direitos Humanos da ONU, especialmente agora que os Estados Unidos perderam assento nessa comissão.
Martin -
O Brasil tem todas as possibilidades para liderar um processo de conquistas nessa área, como o representante dos países da América do Sul.
O Brasil tem legitimidade para representar nações em desenvolvimento. Quando os Estados Unidos falam sobre direitos humanos, soa como a voz dos países industrializados.

Folha - O problema é que isso não é prioridade do governo.
Martin -
O processo de tornar o Brasil referência na área de direitos humanos tem de partir da sociedade civil. É ela que vai pressionar o governo nessa direção.
Há pressões internas e externas. As pressões internas podem ser fortes. Isso foi determinante, por exemplo, para a consolidação da democracia brasileira.
É a sociedade que deve discutir suas prioridades, apontar caminhos e pressionar o governo para consolidar essas decisões.

Folha - Como isso pode ser feito?
Martin -
É preciso divulgar em larga escala a importância do respeito aos direitos humanos. O assunto tem que estar na mídia, nas escolas, nas publicações que as empresas fazem aos seus funcionários e aos seus clientes.
É preciso mudar a cultura da violência. E esse é um desafio de muitos países, mas não há uma fórmula única. É preciso desenvolver um conceito local para basear a política de direitos.

Folha - Em razão da escalada da violência, uma parcela da sociedade diz que o importante é defender os direitos humanos das vítimas, e não dos bandidos.
Martin -
As cidades estão divididas em áreas civilizadas e não civilizadas. Quanto mais a sociedade investir nessas áreas, menos vai precisar se preocupar em contratar segurança pessoal.
Estamos construindo uma sociedade em que uma parte significativa da população não tem trabalho, casa e saúde. O resultado é que essa gente não tem nenhum compromisso social. Não tem nada a perder. Mudar isso é papel da classe média, se não por questão de consciência, mas pelo menos para manter sua segurança.

Folha - A sociedade não deveria cobrar mais participação da iniciativa privada?
Martin -
Algumas empresas brasileiras fazem um trabalho fantástico. Agora, a responsabilidade social das empresas é um assunto complexo. Você tem empresas que causam impacto social negativo muito grande, decorrente do processo de produção. A sociedade pode boicotar produtos feitos sob condições que desrespeitam os trabalhadores e o ambiente.



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