São Paulo, domingo, 20 de maio de 2001

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Hospital reintegra vítimas à escola

DA REPORTAGEM LOCAL

A equipe do hospital estadual de São Mateus (zona leste de São Paulo) desenvolveu um programa de reintegração de crianças vítimas de queimadura à vida escolar. Depois de meses de internação, a dor de um paciente queimado pode ter ido embora, mas o desafio maior está na hora da alta.
Cicatrizes não deixam esquecer o que aconteceu, e a curiosidade alheia é um tormento, principalmente para quem está na escola.
No programa do hospital, as crianças são instruídas a dar dicas de prevenção contra queimaduras aos colegas, em uma palestra no colégio, com a ajuda de desenhos em cartazes. Também são estimuladas a aproveitar a ocasião para responder às dúvidas dos companheiros de classe sobre o que aconteceu com elas.
"A pele é o que nos protege. O queimado se sente muito desguarnecido. É uma dor que se perpetua", disse a psicóloga Sueli Tedesco Telerman, do serviço de queimados do hospital.
A idéia veio das queixas feitas pelas próprias crianças, que reclamavam das perguntas alheias.
"Vários não queriam retornar para a escola, e nós invertemos o jogo", disse Raul Telerman, supervisor da unidade de queimados. "Eles passaram a ter algo para contar e alguns saem mais fortalecidos", afirmou Sueli. "Querendo ou não, existe o estigma da beleza, temos de dar às crianças algum instrumento."
A experiência começou no ano passado e parece ter ajudado na prevenção de novos acidentes. Segundo Telerman, houve uma queda de 12% na média de 70 casos novos de queimadura por mês registrada até 1999.
Pelo menos 22 crianças já foram treinadas. Das 40 escolas da região, 18 já aceitaram as "aulas" do grupo. A estudante Livia Maria de Araújo, 10, estava na cozinha de sua casa quando foi queimada no tórax e no rosto por acidente com água quente. A mãe, a cozinheira Maria do Carmo Sales do Nascimento, 40, inclinava uma panela com a água quando a tampa caiu e o líquido quente atingiu Livia.
A menina já deu sua palestra na classe. Ela disse que não tem mais vergonha e que, finalmente, os colegas não perguntam mais.
"Ela estava muito retraída e ficou mais à vontade", disse a mãe.
Das 15 internações mensais do hospital, 44,8% são por líquidos inflamáveis e 29,2%, por escaldos. Queimaduras por fogo, eletricidade, gás e metal são outras causas.
Franciele Cassiana de Araújo, 6, foi atingida por café quente no tórax também dentro de casa. Por causa da idade, ainda não participa do programa do hospital. Ela diz que não gosta de brincar nem com os irmãos. Segundo a mãe, a dona-de-casa Rosilda Santos Soares, 40, a menina ficou muito mais introvertida depois do acidente.
A psicóloga disse que a possibilidade de maus-tratos é sempre investigada quando há casos de queimadura. As situações suspeitas são encaminhadas aos conselhos tutelares. (FL)


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