São Paulo, domingo, 20 de maio de 2007

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Lei deixa 200 mil filhos de brasileiros no exterior sem pátria

A condição está sujeita à confirmação de residência no Brasil e opção pela nacionalidade brasileira perante um juiz federal

Passaportes e certidões de nascimento trazem ressalva; bebês que nascem em países que exigem laços de sangue são considerados apátridas

Alan Marques/Folha Imagem
Irina, que nasceu na Suíça e não é brasileira, com a mãe, Denise, e o irmão Yannik, brasileiros


VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

Aos nove anos, Irina pergunta à mãe, a paulistana Denise da Veiga Alves, 40, por que os irmãos Yannik, 14, e Aloysio, 2, são brasileiros e ela não. Pior. Nascida na Suíça, Irina não é oficialmente cidadã de nenhum país. Como ela, outras 200 mil crianças em todo o mundo são hoje apátridas de ascendência brasileira.
Uma emenda à Constituição, promulgada em 1994 no governo Itamar Franco, torna sem pátria filhos de casais brasileiros nascidos em alguns países, como Japão ou Portugal.
O motivo: a partir dessa mudança, o Brasil adota primeiramente o "jus soli", princípio jurídico em que a nacionalidade é adquirida pelo local de nascimento. Brasileiro é quem nasce em território nacional.
Outros países, sobretudo os europeus, reconhecem o "jus sanguinis" (direito de sangue), a transmissão de nacionalidade pela ascendência. Pai ou mãe passam a cidadania aos filhos.
Assim, surgem casos como o de Irina Ly da Veiga Alves. Ela nasceu em Genebra, em 1998, quatro anos depois da mudança constitucional. Como os pais são brasileiros e não têm cidadania suíça, Irina é apátrida. Já o seu irmão Yannik Vy-Dan Savelieff nasceu na mesma cidade em 1993 -antes da emenda- e é considerado brasileiro nato. O caçula, Aloysio da Veiga Alves, é de Brasília.
"É uma desigualdade dentro de casa. Para uma mãe, que teve os filhos saídos da mesma barriga, é inaceitável", diz Denise.

Passaporte provisório
Resolução do Ministério da Justiça em conjunto com o Itamaraty concede passaporte e registro de nascimento a crianças no estrangeiro até completarem 18 anos. Mas o documento traz a seguinte ressalva: "A condição de brasileiro está sujeita à confirmação de dois eventos: residência no Brasil e opção pela nacionalidade brasileira perante juiz federal".
O processo, reclamam os pais, é oneroso e demorado (em São Paulo levaria sete anos, diz a OAB). Além disso, a maioria não quer abrir mão da vida que leva no exterior ou não pode sair do país estrangeiro porque vive ali ilegalmente.
Uma proposta de emenda constitucional para conceder cidadania brasileira a crianças nascidas nessa situação foi aprovada no Senado há sete anos, mas tramita lentamente na Câmara.
Uma comissão especial foi criada para analisar a mudança que, na promessa dos deputados, deve ser promulgada ainda neste ano. "Temos um sentimento de origem muito forte. É uma situação precária e injusta", diz Rita Camata (PMDB-ES), relatora da comissão.
"Só soube dessa situação há dois meses, quando estive em Genebra", afirma o presidente da comissão especial da Câmara, Carlito Merss (PT-SC).


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