São Paulo, quarta, 20 de maio de 1998

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FRIO
Governo gaúcho desativa ronda noturna, que tirava desabrigados das ruas; prefeitura não assume o serviço
Estado e município não querem recolher indigente

LÉO GERCHMANN
da Agência Folha, em Porto Alegre

Uma divergência política deixará dezenas de indigentes desabrigados nas noites de inverno de Porto Alegre. A desativação por parte do governo gaúcho e a recusa da prefeitura em assumir o serviço cancelaram a ronda noturna.
Ronda noturna é o programa social que recolhe pessoas pobres nas noites frias, fornecendo-lhes alimentação, acomodação e agasalhos. Tradicionalmente, a atribuição pelo serviço é do governo do Estado. No inverno de 97, foram abrigados 83 indigentes.

Divergências
A STAS (Secretaria Estadual do Trabalho, da Cidadania e Assistência Social) já anunciou a desativação do serviço, sob a alegação de que há divergências quanto à competência legal para a sua execução. Governo e prefeitura discutem desde o ano passado a quem deve ser atribuída a responsabilidade pela "ronda noturna".
O governo quer repassar a incumbência para a prefeitura, que, por intermédio da presidente da Fesc (Fundação de Educação Social e Comunitária), Ana Paula Costa, reage: "A responsabilidade pela desativação é exclusivamente do Estado".
A Fesc mantém o Atendimento Social de Rua, programa que funciona durante todo o ano, com atuação mais educativa do que emergencial, executada por sete funcionários. Não há serviço específico de busca nas ruas durante o inverno. Apenas de abrigo.
O órgão enviou ontem ao governo uma proposta de que lhe sejam repassados R$ 19.198,80. O governo interpretou que, com isso, haveria a adoção da ronda por parte da prefeitura. A Fesc, porém, informou não estar se referindo ao serviço de busca, mas apenas à ampliação de 50 vagas nos albergues já existentes.
Segundo o governo, a Lei Orgânica da Assistência Social, aprovada em 1993, municipaliza o serviço. O governo estaria, portanto, há cinco anos executando uma tarefa que não é de incumbência sua. A camionete que realizava o serviço já foi entregue a outra instituição, e o Abrigo Maria Flor Vieira (53 vagas) foi transferido para a Febem (Fundação Estadual do Bem Estar do Menor).
O presidente do MJDH (Movimento de Justiça e Direitos Humanos) do Rio Grande do Sul, Jair Krischke, culpou a situação "caótica" dos desassistidos ao fato de eles não votarem nem influenciarem na opinião pública. Por isso, segundo ele, há desinteresse das autoridades no momento em que se aproximam as eleições.
"Estamos cansados de brigar sobre esse assunto. A situação que está se criando é absurda. Se qualquer pessoa morrer na rua durante este inverno, vamos entrar com um processo por crime de responsabilidade contra o governador Antônio Britto (PMDB) e o prefeito Raul Pont (PT)", afirmou Krischke à Agência Folha.

Qualidade
Conforme o MJDH, pelo menos 240 pessoas vivem pelas ruas de Porto Alegre.
"Não aguento mais ouvir falar que Porto Alegre tem a melhor qualidade de vida do Brasil. Como ficam essas pessoas? Se elas vivessem no Rio ou em Recife, tudo bem. Poderiam andar de calção o ano inteiro", disse Krischke.



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