São Paulo, domingo, 20 de junho de 2004

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COMPORTAMENTO

Com o uso prolongado, "pílula do amor" perde efeito, levando usuários a associá-la a outras substâncias

93% misturam ecstasy com outras drogas

DA REPORTAGEM LOCAL

Cai o mito da droga do amor, o ecstasy. Seus efeitos mais procurados -bem-estar e aumento do desejo sexual- cada vez mais parecem precisar de um empurrãozinho de outras substâncias ilícitas e até mesmo do Viagra, medicamento para disfunção erétil.
"Há uma conseqüência evidente no uso prolongado de ecstasy: quanto mais o usuário toma, menos sentirá seus efeitos considerados agradáveis e prazerosos", explica Dartiu Xavier, coordenador do Proad (Programa de Orientação e Assistência a Dependentes), ligado à Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
"Isso pode explicar o fato de as pessoas hoje misturarem ecstasy com outras drogas e com o Viagra, que funciona como uma garantia de potência na hora do ato sexual", diz o coordenador.
Segundo um estudo sobre padrões de uso de ecstasy realizado pelo Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo) e publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria em 2003, 93,3% dos usuários de ecstasy associam a pílula do amor a outras drogas psicoativas, como maconha, LSD, cocaína e anfetamina, o que, segundo o estudo, aumenta o risco de reações tóxicas.
O consumo da droga foi detectado em jovens de classe média alta e, segundo o estudo, mais do que frustração e insatisfação, seu uso combinado está associado "simplesmente a um experimento hedonista".
Para o psicanalista Tales Ab'Saber, do Instituto Sedes Sapientiae, esse tipo de comportamento é próprio da atual cultura do excesso e do consumo, que é um convite permanente à excitação.
"Toma-se de tudo. É um caldeirão no qual o sujeito usa uma droga para atenuar o efeito colateral de outra e assim por diante", diz o psicólogo Murilo Battisti, autor de um estudo sobre uso de ecstasy.
Ele chama a atenção para o fato de os profissionais de pronto-atendimento de hospitais e centros de saúde ainda estarem despreparados para lidar, em casos de emergência, com os possíveis efeitos dos coquetéis de drogas consumidos atualmente.
Muitas especulações já foram feitas sobre os componentes do ecstasy. Isso porque pesquisas internacionais detectaram que as pílulas vendidas no início dos anos 90 poderiam conter de açúcar a estricnina (veneno).

Kit de pureza
Nos Estados Unidos e na Europa, organizações de redução de danos chegaram a criar kits de teste de qualidade da droga -um líquido que, em contato com uma pequena lasca da pílula de ecstasy, resulta em uma cor que indica o grau de pureza e as substâncias diferentes do MDMA (o princípio ativo do ecstasy) presentes -para evitar danos ainda maiores aos usuários da droga.
No Brasil, uma pesquisa inédita, concluída neste ano, verificou a composição de alguns comprimidos de ecstasy que circularam no país entre 1996 e 2002. As amostras analisadas eram oriundas de 25 apreensões feitas pelo Denarc (Departamento de Investigações sobre Narcóticos) e foram testadas pelo farmacêutico bioquímico Silvio Lapachinske, 40, autor do estudo realizado com o Departamento de Análises Toxicológicas da USP. O resultado apontou para um alto grau de pureza das amostras, mas para uma grande variação da quantidade do psicoativo em cada comprimido.
Das 25 amostras analisadas, 21 continham apenas MDMA (metilenodioximetanfetamina, o princípio ativo do ecstasy), uma continha MDMA e cafeína, uma era feita de MDEA (metilenodioxietilanfetamina, substância análoga do MDMA), uma continha apenas metanfetamina e outra somente anfetamina. Tanto a metanfetamina quanto a anfetamina são ainda mais tóxicas que o princípio ativo original do ecstasy.
"Apesar de 84% das amostras serem de MDMA, elas apresentam uma variação quantitativa grande", explica Lapachinske. "Entre pílulas com o mesmo logotipo, uma tinha 30,9 miligramas de MDMA e outra tinha 92,7 miligramas do psicoativo", diz.
Segundo ele, isso pode indicar falta de rigor na produção, além de tentativas dos laboratórios de falsificar "marcas" já conhecidas, no mercado de drogas, por sua potência. (FERNANDA MENA)


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