São Paulo, domingo, 20 de junho de 2004

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DANUZA LEÃO

Entre a fome e o bordel

Volta e meia as televisões estampam, com destaque, uma história de mocinhas que são seduzidas com a promessa de bons empregos na Europa e acabam caindo numa rede de prostituição que movimenta bilhões por ano etc. etc. A Interpol vai agir e mais etcs. ainda.
Fico pensando que jamais se ouviu falar de uma sueca, uma inglesa ou uma dinamarquesa que tenha caído nessa rede, já que em seus países existe o acesso à educação, ao emprego e à assistência médica para todos. As "escravas brancas", como eram chamadas, são todas de países pobres, costumam passar fome e o único futuro mais risonho será encontrar emprego numa casa de família, já que mal sabem ler e escrever.
Saber que jovens mocinhas caíram na prostituição é triste, claro que é. Mas quando penso que essas moças levavam uma vida de bicho em casa -quando não há dinheiro nenhum a vida é muito difícil-, que grande parte delas é abusada sexualmente por um tio ou um pai (são dois quartos para a família inteira, e as mocinhas vão crescendo e ficando desejáveis)... O pudor, o decoro, a sensibilidade, são coisas com que se nasce, mas que sobretudo se aprimora -quando se pode.
Nós, no nosso conforto, achamos que é uma ignomínia uma dessas moças ir para a cama com um desconhecido para ganhar R$ 20 ou R$ 30. Talvez para ela, que anda descalça no mato levando uma lata de água para poder cozinhar, vendo uma penca de irmãos mais moços também sem destino e sem ter noção do que deve ou não deve ser feito, sair dali, pegar um avião para um país estrangeiro, botar um top de paetês, passar a noite dançando e depois cair na cama com um freguês não seja tão ruim como a vida que tinham. Não, não estou dando força a esse comércio, apenas querendo dizer que o que elas fazem é uma escolha, e que para elas essa opção talvez seja menos pior do que a vida que levavam.
Talvez nunca a gente vá saber disso direito, pois quando chega a imprensa elas já intuem o que devem dizer e dificilmente uma delas estará lendo o que estou escrevendo para, ao menos no seu íntimo, saber o que era pior. Mas já cansei de ver depoimentos de prostitutas que gostam do que fazem e que não pretendem deixar a vida por nada deste mundo.
Liberdade também é para isso: cair no bordel, se essa for a sua vocação. Mas não é só a gangue da prostituição que é a culpada de levar para a Europa as pobres moças. Culpados são os governos, que, por tratar tão mal a nossa juventude, faz com que seja mais promissor um trabalho de prostituta em Madri do que catar caranguejo no mangue.
Você já teve que fazer a escolha entre não ter um par de sapatos, ver os irmãos comendo pirão ou ir atrás de um outro destino, seja ele qual for?
Nem você nem eu.


E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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