São Paulo, domingo, 20 de junho de 2004

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PASSADO QUE SE APAGA

Quase 30 anos após tombamento, núcleo urbano no litoral sul de SP tem construções desfiguradas

Sem recurso, Iguape vê conjunto histórico virar ruína

FAUSTO SIQUEIRA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM IGUAPE

O maior conjunto de edifícios históricos do Estado de São Paulo agoniza. Isolado no Vale do Ribeira, a mais pobre das regiões paulistas, e quase 30 anos depois do tombamento pelo patrimônio estadual, o núcleo urbano de Iguape apresenta casas coloniais desfiguradas e prédios raros em ruínas ou atacados por cupins.
São cerca de 300 imóveis representativos dos estilos colonial, "art nouveau" e "art déco", segundo a Associação dos Amigos do Patrimônio Histórico e Cultural de Iguape (233 km de SP).
Desses, 62 foram tombados pelo Condephaat (conselho estadual de defesa do patrimônio) em 1975, o que impede alterações no imóvel ou entorno sem consulta.
A recuperação das relíquias da cidade, uma das mais antigas do Brasil -oficialmente, o ano de fundação é 1538, mas a data precisa é desconhecida-, esbarra na escassez de recursos.
"Depois da posse, fui à Fundação Roberto Marinho, no Rio, fiz uma exposição, mas infelizmente, na época, já havia 35 cidades numa lista de espera para receber incentivos", afirmou o prefeito João Cabral Muniz (PSDB).
A esperança é obter o tombamento federal pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). O estudo está em andamento. Essa é a precondição para concretizar o sonho de obter da Unesco o reconhecimento de Iguape como patrimônio da humanidade, o que estimularia o turismo e a captação de recursos.
Mas há crises domésticas. Criado por Muniz, o Conselho Municipal do Patrimônio Histórico está desativado há um ano e meio por "falta de apoio", disse seu presidente, o historiador Roberto Fortes. "O conselho deliberava e a prefeitura não punha em prática." "O presidente tem um jornal que só ataca a administração. Como coloco uma pessoa no conselho para me ajudar e ela fica contra mim?", defende-se o prefeito.
Enquanto isso, avança a degradação do patrimônio gerado entre os séculos 17 e 19 pela riqueza dos ciclos do ouro e do arroz. Hoje, a pesca é a principal atividade de Iguape, com 30 mil habitantes.
Em agosto, um casarão colonial não-tombado com cerca de 200 anos foi demolido. O forro e parte das vigas da Basílica do Bom Jesus de Iguape são alvos por cupins, que abriram frestas por onde entra a água da chuva, que destrói lentamente afrescos centenários.
Orçamento feito pela entidade estimou o custo para a troca do telhado, única forma de deter o estrago, em R$ 80 mil, dos quais foram arrecadados R$ 40 mil.
Do início do século 19, o prédio de cal e pedra instalado no local onde teria funcionado a primeira agência dos Correios do país virou ruína -só há as paredes.
Vários dos imóveis que integram o casario colonial do centro tiveram telhados e revestimentos de fachadas originais trocados por outros "modernos". "Há infiltração de estilos arquitetônicos. Seria necessário fechar a região, impor controle e oferecer orientação aos donos", disse o historiador Benedito Machado, autor de "Iguape - Cidade Santuário".

Tombamento
O estudo da proposta de tombamento federal está em estudo. O trabalho terá de ser aprovado pela direção do órgão e enviado para o conselho do Iphan, que decidirá sobre a abertura do processo. Não há prazo para concluir o estudo. Com a medida, a cidade pode pedir verba federal do projeto Monumenta e o título de patrimônio da humanidade da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).
Segundo o diretor técnico do Iphan em São Paulo, Victor Hugo Mori, a pretensão é propor o tombamento de uma parcela contínua dos bens da região central, e não de vários elementos isolados, como fez o estadual Condephaat. "Será somatório de tudo o que envolve a praça da Basílica, inclusive a igreja e a própria praça."
A mais recente iniciativa de restauração será inaugurada no dia 2, quando a Secretaria de Estado da Cultura instalará na antiga cadeia, um sobradão do século 19, a sede da Oficina Cultural Regional de Iguape e do Vale do Ribeira.
A obra custou menos de R$ 30 mil. Quase todo o material foi recebido de empresas devedoras de tributos ao Estado, que tiveram abatimento das dívidas. A prefeitura forneceu a mão-de-obra.
O local terá oficinas de papel reciclado, teatro, iniciação musical, artes plásticas e fotografia.


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