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ARTIGO
A tragédia vista de Porto Alegre
MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA
Porto Alegre é uma cidade
grande, como as metrópoles
brasileiras. Mas mesmo as cidades grandes, por vezes, voltam no tempo e regridem à
época em que eram pequenas
cidadezinhas interioranas, provincianas. Isto aconteceu com a
capital gaúcha, na última terça.
A notícia do medonho acidente com o avião da TAM foi
recebida com incrédulo horror.
As pessoas não podiam acreditar que aquilo tinha acontecido.
E aí veio o pânico, o desespero.
Famílias inteiras correram para o único lugar em que podiam
obter informações, o aeroporto
Salgado Filho. Um aeroporto
do qual os porto-alegrenses se
orgulham, mas que era, naquele momento, cenário para cenas de dor e de sofrimento.
A notícia rapidamente se espalhou. Num primeiro momento, não se sabia ao certo
quem estava a bordo, o que desencadeou uma verdadeira onda de ansiedade. A cidade, agora, era uma única família, com
as pessoas ligando umas para as
outras, querendo saber se estava tudo bem, se amigos e conhecidos não teriam, por acaso,
viajado no fatídico avião.
Particularmente, recebi numerosos telefonemas, tanto do
Rio Grande do Sul como de outros Estados, o que me fez pensar nesta nova, e sombria, forma de identificar amigos: são
aqueles que nos telefonam nessas horas. Depois veio a lista e a
consternação foi geral. Muitas
das vítimas eram pessoas conhecidas e estimadas. Havia
políticos, esportistas, jovens
empresários. A sensação era a
de uma catástrofe.
Nas casas, os olhares estavam
fixados na tela de tevê. De repente, Congonhas transformava-se no fulcro da tragédia. O
que não deixa de ter um amargo
simbolismo. Para os habitantes
de um Estado situado na ponta
do país, Rio e São Paulo são os
grandes pontos de referência,
sonhos gaúchos, por assim dizer. E Congonhas era a porta de
entrada para este sonho.
Desembarcar em Congonhas
era, para empresários e estudantes, para políticos e artistas,
o começo de uma excitante
aventura. De repente, a aventura revelava-se um pesadelo. E a
pergunta que a gente pode se
fazer é: por que os sonhos se
transformam em catástrofes?
O que aconteceu, que erros ou
equívocos foram cometidos para que isso acontecesse?
É uma pergunta à qual precisamos responder. Em primeiro
lugar, trata-se de um dever que
temos para com as vítimas,
gaúchos, paulistas, mineiros,
não importa: esta é uma tragédia brasileira, e como tal tem de
ser considerada. Em segundo
lugar, porque precisamos, de
uma vez por todas, descobrir
qual o caminho que, afinal, deve o nosso país seguir, para melhorar a existência de seus cidadãos. E, finalmente, porque
precisamos nos reconciliar
com nossos símbolos.
Congonhas era, com suas limitações, uma imagem do progresso brasileiro, um lugar dinâmico, mesmo que confuso.
Não pode ficar na história do
país como um cenário de holocausto. Precisamos dar asas aos
nossos sonhos. Mas precisamos assegurar que eles possam
pousar em segurança, sem aterrorizar Porto Alegre ou qualquer outra cidade brasileira.
MOACYR SCLIAR, médico e escritor
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