São Paulo, quinta-feira, 20 de agosto de 2009

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PASQUALE CIPRO NETO

"Se nosso time reouvesse a autoconfiança"


O teste da FGV exige do candidato o conhecimento da conjugação de verbos "carimbados", todos irregulares

NA SEMANA PASSADA , analisei uma questão do último vestibular de uma tradicional escola superior, a Universidade Mackenzie. A questão exigia o conhecimento de aspectos pontuais da língua, como a regência de "assistir", o emprego do oblíquo "lhe", a pronúncia e a escrita de "intuito" etc.
Hoje quero discutir uma questão de outro vestibular recente, o da FGV, cuja prova oscila entre abordagens mais aprofundadas de fatos da língua e testes de conhecimento pontual de aspectos da gramática.
Vamos à questão: "A única frase em que o verbo sublinhado está corretamente flexionado é: a) Se nosso time reouvesse a autoconfiança, obteríamos melhores resultados; b) Os ânimos só se acalmaram, quando eu intervi na discussão; c) Dou-me por satisfeito, se correr quinhentos metros e transpor cinco obstáculos; d) Todas as tardes, ela entretia-se a espiar a rua pela janela; e) O governo tem intervido demais na economia".
O teste exige o conhecimento da conjugação de verbos "carimbados", todos eles irregulares. Na "a", a forma destacada é "reouvesse", do imperfeito do subjuntivo de "reaver", verbo cuja conjugação... Ai, ai, ai. Esse verbo é um caso sério. Como no presente do indicativo só ocorrem duas formas ("nós reavemos", "vós reaveis"), ele é dado como defectivo (verbo que não apresenta conjugação completa).
Ao constatar que não se conjuga a primeira do singular do presente do indicativo, o caro leitor deve ter concluído que não existe a conjugação de nenhuma forma do presente do subjuntivo, já que este tempo deriva da primeira pessoa do singular daquele. Tradução: se não existe "eu reavo" (ou "eu reavejo", "reavenho" etc.), não existe "...que eu reava" (ou "que eu reaveja", "que eu reavenha" etc.).
Quem procura "reaver" no "Aurélio" encontra isto: "Conjuga-se como "haver", porém somente nas formas em que se mantém o v".
Tradução: como o presente do indicativo de "haver" é "eu hei, tu hás, ele há, nós havemos, vós haveis, eles hão", o de "reaver" só é conjugado... Bem, isso você já sabe.
E de onde vem a forma "reouvesse", que, por sinal, é correta? Vem de "houvesse", do imperfeito do subjuntivo de "haver" ("se eu houvesse, se tu houvesses..."). Como nesse tempo todas as flexões de "haver" apresentam "v"... O caro leitor já concluiu, certo?
Vez por outra, jornais publicam títulos em que se vê a inexistente forma "reavê" ("Empresa reavê imóvel..."), como tentativa de conjugação da terceira do singular do presente do indicativo de "reaver".
A forma "reavê" certamente decorre da semelhança com "revê", esta sim existente (flexão de "rever"). Que fazer? Deixar para lá o espírito inventor e usar um sinônimo ("Empresa recupera/retoma...").
Vejamos agora as demais alternativas. Na "b", a forma "intervi" deve ser substituída por "intervim". Trata-se de flexão do verbo "intervir", cuja conjugação segue integralmente a do verbo "vir" (venho/intervenho, vinha/intervinha, vim/intervim, veio/interveio, viesse/interviesse, vier/intervier).
Na "c", a forma "transpor" deve ser substituída por "transpuser", já que se trata do futuro do subjuntivo de "transpor", cuja conjugação segue a do verbo "pôr", do qual deriva ("Se eu puser a carta..."; "Se eu transpuser cinco obstáculos...").
Na "d", a forma "entretia" deve ser substituída por "entretinha", do verbo "entreter". Por fim, a alternativa "e", em que a forma "intervido" deve ser substituída por "intervindo" ("O governo tem intervindo demais na economia").
Aqui caberia a análise de fatos interessantes, mas o espaço acabou.
Um dia volto ao tema. É isso.

inculta@uol.com.br


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