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MOACYR SCLIAR
Dançando no baile dos feios
Ele queria lealdade, não beleza; as namoradas o trocavam como quem troca de roupa ou maquiagem
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Britânicos ganham rede social só para
pessoas feias. O mais novo site de
relacionamentos do Reino Unido,
"The ugly bug ball" (TUBB) ou o Baile dos Insetos Feios (título de uma
música do americano Burl Ives), garante: "Pessoas feias tendem a ser
mais compreensivas e leais. Quando se tem um parceiro feio, é improvável que alguém tente roubá-lo". O
site só permite o cadastro de quem
não seja "reconhecidamente
atraente". FOLHA.COM
NAMORADAS ELE tivera muitas,
moças lindas, inteligentes. Mas as ligações duravam pouco tempo, porque, tão volúveis quanto belas, as
parceiras trocavam-no por outro
com a mesma facilidade com que
trocavam de roupa ou de maquiagem.
Tudo isso o deixava deprimido,
frustrado. Ansiava por encontrar a
mulher de sua vida, a companheira
que ficaria sempre a seu lado. Mas
onde estaria ela?
Achou que tinha encontrado a
resposta quanto entrou no site conhecido como Baile dos Insetos
Feios, que vetava de maneira explícita aqueles que fossem "reconhecidamente atraentes". De fato, os rostos que ali apareciam eram de uma
feiura lamentável, patética.
Mas o que o atraiu foi a promessa
da fidelidade, da lealdade, coisa
que o site garantia de maneira veemente. Lealdade era o que ele queria, não beleza.
Uma foto chamou-lhe a atenção:
era de uma garota gorda, espinhenta, medonha, que, contudo, sorria
candidamente. E foi esse sorriso,
por ele visto como uma comovente
demonstração de confiança na vida
e no amor, que o fez decidir: namoraria aquela moça.
Havia um problema. Segundo o
site, teria de mandar a sua própria
foto, que certamente seria rejeitada: feio ele não era, estava longe de
sê-lo. Procurou um amigo que trabalhava com Photoshop, e pediu-lhe que retocasse sua foto.
Foi um sucesso: seu rosto ficou
medonho, o que possibilitou uma
imediata aceitação pelo site. Fez
então contato com a jovem. Como
esperava, ela aceitou a proposta;
marcaram encontro num bar.
Ela informou que iria com um
vestido vermelho, uma echarpe
amarela e uma flor no cabelo, detalhes que a ele pareceram inúteis:
com aquela feiura ela seria facilmente identificável.
Ele, não. Tinha mudado o seu
rosto no Photoshop, mas não poderia fazê-lo na realidade. Nem era o
que ele queria; seu plano era apresentar-se à feia, confessar o truque
e dizer que queria namorá-la assim
mesmo, porque estava em busca da
fidelidade. Mesmo porque, ele agora o sentia, o fascínio pela feiura dera lugar a um sentimento que nada
tinha de sádico nem de piedoso;
era... amor? É. Amor. Inesperado,
como costuma ser o amor.
Na noite marcada, lá estava ele,
sentado em uma das mesas do bar,
aguardando-a. E de repente surgiu
na porta uma moça, lindíssima,
usando um vestido vermelho, uma
echarpe amarela e uma flor no cabelo. Ele estremeceu. Seria coincidência?
Não. Não era coincidência. A moça tinha feito a mesma coisa que
ele: mandara um retrato deformado pelo Photoshop para também viver uma aventura com um feio. Um
feio fiel, um feio que não a abandonasse. Com um aperto no coração,
teve de reconhecer: fiel seguramente seria, mas feio não.
Em silêncio, levantou-se e foi para casa. Ia em busca de um site que
lhe revelasse a sua verdadeira paixão. Ia em busca do Baile do Amor.
MOACYR SCLIAR escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias
publicadas no jornal.
moacyr.scliar@uol.com.br
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