São Paulo, domingo, 20 de outubro de 2002

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SAÚDE

Vacina ajuda a evitar aborto recorrente

Tratamento com medicação desenvolvida a partir do sangue do marido pela Unicamp tem eficácia de 85%

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Gilia, 38, advogada. Luciene, 36, bailarina. Ambas sofreram quatro abortos seguidos e só conseguiram ter os seus bebês após um tratamento ainda pouco comum no Brasil: uma vacina desenvolvida a partir dos linfócitos -um tipo de glóbulo branco- do marido.
Nos centros médicos onde vem sendo utilizado, o tratamento imunológico tem conseguido altas taxas de sucesso. No serviço da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), por exemplo, 85% das 300 pacientes tratadas, que já tinham histórico de dois abortos ou mais, conseguiram ter seus bebês após o tratamento. Na maternidade Santa Joana/Pro Mater, o índice de eficácia é de 87%.
Na Unicamp, único serviço do país que dispõe do tratamento gratuitamente, 40 casais aguardam o atendimento em fila de espera. Novas vagas só devem ser abertas em março de 2003. Nas clínicas particulares, o tratamento custa em média R$ 2.000.
Segundo a médica imunologista Silvia Daher, professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e que também trabalha na Santa Joana/Pro Mater, a imunoterapia só é indicada quando outras causas de aborto (alterações cromossômicas, genéticas e infecciosas) forem descartadas.
Para compreender como o tratamento funciona é preciso entender antes porque esse tipo de aborto de repetição, que acontece no início da gestação, ocorre.
Segundo o obstetra e ginecologista Ricardo Barini, 47, coordenador do programa de imunoterapia da Unicamp, para o feto não passar despercebido pelo organismo da mulher é preciso que haja uma resposta imunológica entre a mãe e o embrião.
Na maioria das gestações, afirma Barini, essa adaptação imunológica ocorre normalmente. Mas, em alguns casos, o organismo da mulher tem dificuldade de perceber a gravidez. Ele a interpreta como se fosse uma doença que estivesse tentando agredi-lo. Começa, então, a produzir substâncias que interrompem a gravidez.
A chave do problema estaria na maneira como o organismo materno interpreta as informações genéticas paternas presentes na superfície das células do embrião.
Segundo Barini, existe uma fração molecular, chamada HLA-G, que entra em contato com o sistema imuno-materno e informa que o está ocorrendo é uma gravidez e não uma doença. Esse reconhecimento faz a mulher desenvolver substâncias que bloqueiam a resposta contra a gravidez.
A vacina, feita com os linfócitos do marido, atua quando esse reconhecimento não acontece naturalmente. Ela tem as informações que o sistema imunológico da mulher precisa reconhecer para a gravidez prosseguir.
"Basicamente é necessário que a parte do marido que está na placenta possa ser percebida pela mulher e que ela se adapte à presença do feto", afirma Barini.
Na primeira fase do tratamento, é realizado um exame para saber se os abortos são mesmo de origem imunológica. Se forem, é feita uma vacina usando os linfócitos presentes no sangue do marido misturados a soro fisiológico.
A mulher recebe duas doses da vacina. Em seguida, repete-se o teste para saber se a imunização ocorreu. Em caso negativo, é feita uma nova vacina associando o sangue de um doador não aparentado. "Mas o teste final é feito entre o soro da mulher e as células do marido", diz Barini.


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