São Paulo, segunda-feira, 20 de outubro de 2008

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Ele falava que era o príncipe, o cara que manda, diz Nayara

Lindemberg agrediu Eloá com tapas, chutes e puxões de cabelo quando ela tentava conversar com ele, contou garota à polícia
À polícia, após ser solta pela primeira vez, jovem disse que rapaz riu após atirar em PM

DA REPORTAGEM LOCAL

A Folha obteve ontem o depoimento dado por Nayara na manhã de quarta-feira, após ser libertada pela primeira vez do cárcere privado -no dia seguinte, por orientação policial, ela voltaria ao apartamento.
Ela conta que Lindemberg ameaçava matar os reféns desde o primeiro dia de cárcere. E que, quando foi solta, Lindemberg falou para ela correr, senão ele atiraria nela pelas costas. Nayara comentou que iria ser solta antes, mas ele se irritou com uma reportagem da TV que insinuava que a PM iria invadir o prédio. Segundo Nayara, ele parecia se divertir com o cerco policial, se dizia "príncipe do gueto e o cara que mandava no local" e já havia atirado em policiais militares que estavam no prédio.
Leia a transcrição abaixo:

 

Às 11h35 do dia 15 de outubro, a vítima Nayara Rodrigues da Silva, 15, acompanhada de seu representante Jorge Luiz Ferreira de Araújo, acusa Lindemberg Fernandes Alves de tê-la mantido refém. Ela estuda na escola (...) com Eloá Cristina Pimentel, Victor (...) e Iago (...). Todos têm 15 anos. Iago é namorado de Nayara.
Nayara diz que assistiu às aulas na companhia de Eloá e Victor. Ela, Eloá e Victor combinaram de assistir a um filme, com a finalidade de fazer um trabalho de geografia. Nayara saiu da escola às 12h20 do dia 13 de outubro. No caminho, Victor foi para sua casa comunicar os pais que ia estudar na casa de Eloá. Eles encontraram Iago. Todos foram para casa de Eloá, no apartamento 24 do bloco 24 da CDHU. Chegaram lá às 13h15.
O irmão de Eloá, Douglas, havia saído momentos antes e deixou a porta aberta. Assim que chegaram, Iago e Victor foram para o quarto de Eloá, onde estava o computador, para começarem o trabalho escolar.
Enquanto isso, Eloá preparava o almoço. Nayara foi ao quarto de Eloá arrumar as camas. Em seguida, Nayara, Iago e Victor foram surpreendidos por Lindemberg. De arma em punho, ele dominou Eloá. Todos foram obrigados a ir para o quarto dela. Ao entrar no quarto, Lindemberg deu um tapa no rosto de Iago. Em seguida, perguntou a Victor quem ele era e o que fazia lá. Ele disse que era colega de classe e que todos estudavam no apartamento.
Lindemberg, no entanto, deu um tapa no rosto de Victor, questionando a veracidade das respostas dele. Nayara e Iago conheciam Lindemberg, apelidado de Lindo ou Liso. Sabiam que ele namorou Eloá. Lindemberg demonstrava estar nervoso com o fim do relacionamento, pelo fato de ela não querer voltar com ele.
O tempo passou e Nayara, Iago e Victor conversaram com Lindemberg para acalmá-lo. Lindemberg então ordenou que todos não falassem alto, que não chamassem a atenção dos vizinhos. Ele dizia o tempo todo que estava uma pilha de nervos e que não sabia o que iria fazer. Lindemberg agrediu Eloá com tapas, chutes e puxões de cabelo quando ela tentava conversar com ele.
O emocional dele demonstrava calma e nervosismo quando ameaçava a todos. Em algumas oportunidades, sempre que Lindemberg ia até a janela do apartamento, ele usava Nayara e Iago como escudo. Ele os segurava pelo pescoço apontando a arma.
Lindemberg recebeu telefonemas e fez ligações. No fim da tarde de segunda, alguém tocou a campainha, o que irritou Lindemberg. Ele ordenou a todos que ficassem em silêncio. Algum tempo depois, tocaram a campainha de novo e todos ficaram quietos. Em seguida, Douglas apareceu no átrio do prédio chamando pela irmã e atirando pequenas pedras na janela.
No início da noite de segunda, Nayara recebeu uma ligação da mãe, que estava preocupada com a ausência dela. Lindemberg deixou Nayara atender, mas ordenou que ela dissesse que tudo estava bem.
Sua mãe disse que iria buscá-la, mas Nayara falou que não, pois não tinha terminado o trabalho escolar.
Nayara disse que assim que terminasse o trabalho iria embora de carona. A mãe ligou novamente e perguntou se Nayara iria demorar para ir para casa. Nayara disse que estava para terminar e que não demoraria muito. Depois disso, os telefones celulares de Nayara, Eloá e o fixo da casa não paravam de tocar, mas Lindemberg proibiu que todos os atendessem.
Uma das ligações foi atendida por Lindemberg. Era o pai da Eloá, Seu Aldo. Lindemberg passou o telefone para Nayara, que foi orientada por Lindemberg a dizer que os quatro estavam em poder dele, que estava armado, que ninguém poderia se aproximar do prédio e que a polícia não devia ser acionada. Seu Aldo pediu para Lindemberg deixá-lo ir até lá, mas ele não deixou.
O pai de Eloá conversou com Lindemberg por telefone e disse que o tinha como filho e que era para ele parar de agir daquela maneira. Lindemberg disse que o respeitava, tinha muita consideração e amizade por ele. Mas que seu Aldo havia pisado na bola com ele (Lindemberg).
Após essa ligação, alguém mexeu na maçaneta da porta. Lindemberg chamou Nayara, apontando o revólver para ela. Pediu que ela fosse até a porta e dissesse para a pessoa ir embora e não chamar a polícia. A todo momento, Lindemberg não sabia o que iria fazer e a intenção dele era encontrar Eloá sozinha.
Em seguida, Lindemberg ligou para o pai de Eloá, perguntando quem tinha subido no apartamento. Ele falou que era Ezequiel, pai de Victor. Nayara começou a perder noção do tempo e só percebeu que era noite quando a polícia chegou. O clima ficou mais tenso.
Os policiais militares tentaram falar com Lindemberg, que rechaçava a aproximação. Victor passou mal. Nayara pediu para Lindemberg deixar Victor sair. Lindemberg relutou, mas permitiu. Nessa altura, Lindemberg começou a conversar com o sargento Atos, da PM.
A certa altura, Nayara foi levada ao banheiro por Lindemberg, que queria ver o movimento de PMs e pessoas. Iago ficou no quarto e passou mal. Nayara pediu para liberar Iago. Lindemberg relutou, mas aceitou liberá-lo. Ele, porém, advertiu Nayara que após soltar Iago, ela e Eloá seriam mantidas em cárcere. Nayara concordou. Foi quando Lindemberg soltou Iago. Após a soltura de Iago, Nayara foi para o banheiro e Eloá ficou no quarto.
O sargento Atos estava no átrio do prédio perto da porta, falando com Lindemberg pelo celular. Nayara segurava o aparelho, que estava com o viva voz acionado. Lindemberg disse que os PMs não estavam acreditando nele e que eles somente iriam "botar uma fé" quando uma das reféns fosse morta.
Em seguida, Lindemberg disse: "Olha o que eu vou fazer" e deu um tiro na direção do sargento. Em seguida, Lindemberg começou a rir e disse "eu sou o cara". Em novo contato com a PM, Lindemberg pediu que um PM voltasse ao átrio, mas eles falaram que não, por causa da atitude dele.
Lindemberg achou divertida a conversa e comentou que os PMs tinham medo. Conversando com o sargento, pediu para que todas pessoas e PMs se afastassem do prédio.
Nayara e Lindemberg voltaram para o quarto de Eloá e ficaram lá um tempo. Depois, Lindemberg e Nayara foram para o banheiro e ele viu que o prédio estava isolado. Foi quando ele disse que "era o príncipe do gueto e que ele era o cara que mandava no local".
Depois disso, os dois voltaram para o quarto de Eloá e Lindemberg começou a se acalmar, tratando-a de forma mais afetiva e simpática até o momento em que pegou o celular dela e viu um recado. Ele perdeu o controle, começou a questionar Eloá e Nayara sobre quem havia mandado a mensagem, o que gerou discussão dele com Eloá. Foi ao banheiro com ela e viu PMs. Viu pessoas no átrio e atirou contra elas.
Nayara e Lindemberg voltaram para o quarto de Eloá e discutiram de novo. Ele ligou para quem mandou mensagem, Felipe, fingindo ser o irmão mais velho de Eloá. Falou para Felipe que já sabia do "affair" do casal.
Felipe desconversou. Eloá gritou com Lindemberg e fez Felipe desligar o telefone. Em razão disso, deu um tapa nela. Lindemberg ligou para Felipe de novo para saber sobre qual era o relacionamento dos dois. Ele desconversou e desligou.
Quando começaram a cochilar, Lindemberg mandou todo mundo ir para o quarto que tinha cama de casal. Eloá ficou na sala e Nayara e Lindemberg ocuparam o quarto de casal. Os dois ficaram conversando, ela dormiu por um momento. Nayara foi acordada por Lindemberg, que mandou Eloá ir para o quarto. Ele amarrou Eloá e Nayara com fita adesiva e camiseta para poder dormir.
Lindemberg tentou forçar Eloá a beijá-lo, quando ela fingiu dormir. Lindemberg não tentou mais nada com Eloá e dormiu. Ele acordou Eloá com tapas. Eloá começou a gritar quando Lindemberg ameaçou agredir Nayara se Eloá não parasse de gritar. Nayara pediu para soltar as pernas e ele aceitou.

Terça-feira
Desamarradas, Nayara e Eloá foram tomar café. O clima estava calmo. Eles viram TV e conversaram até o almoço, feito por Eloá. Depois do almoço, voltaram para a TV e viram um programa que mostrava a casa na TV. Isso deixou Lindemberg irritado, sendo que tal pessoa disse que, se houvesse tentativa de invasão, todos sairiam mortos.
Nessa altura, Lindemberg já havia manifestado intenção de soltar Nayara, mas pelo que viu na TV, mudou de idéia.
Lindemberg autorizou as meninas a tomar banho. Em seguida, depois do banho, Nayara foi amarrada e Eloá foi para o banheiro, onde Lindemberg também tomou banho. Eloá só acompanhou Lindemberg tomar banho. Foi um banho rápido. O casal voltou para junto de Nayara e os três ficaram na sala conversando. Nayara tentou convencê-lo a libertar todos. Ele quase atendeu aos pedidos e disse que nada de mal aconteceria.
Lindemberg foi informado pelo negociador sobre a troca de turno, o que o irritou. Antes de anoitecer, cortaram água e luz. Lindemberg percebeu a imprensa. Apresentou Nayara e ele para que fossem filmados. Com o escurecer, Lindemberg quis falar com os negociadores e pediu que a energia fosse religada e renegociou os reféns.
Lindemberg e as meninas pegaram velas, foram para o quarto do casal e ficaram lá enquanto Nayara dormia. Ela foi acordada por Lindemberg, que se assustou com algum barulho achando que PMs fossem invadir apartamento. Ele proibiu as meninas de dormir. Nayara continuou a conversar com ele, que prometeu liberá-la na quarta.
Ela disse que seria melhor ele soltá-la à noite. Ele retrucou, dizendo que seria liberada naquela noite mesmo.
Ela fez ponderações e Lindemberg pediu para o negociador restabelecer a energia elétrica. Lindemberg estava negociando, quando acabou a bateria do celular e a energia voltaram. Com isso, ele teve disposição para libertar Nayara.
Quando as duas foram para o quarto de Eloá. Eloá conversa com negociador por 40 minutos sobre a negociação. Lindemberg permitiu liberar Nayara. Lindemberg alternava momentos em que dizia libertar Nayara e outros, não.
A declarante começou a negociar com Lindemberg dizendo que ele daria sua palavra. Após breve discussão, ele ficou pensativo por uns instantes, acendeu a luz, levou Nayara até a porta e a mandou correr para sair. Ele disse que, se ela saísse devagar, poderia receber um tiro em suas costas.
Nayara encontrou três PMs do Gate, que a pegaram. Lindemberg fez quatro ou cinco disparos. Um contra o negociador, outro contra populares ao redor do prédio, outro no computador de Eloá, quarto e quinto no banheiro, sem que Nayara visse.
Nayara ficou 30 horas na casa, e não foi agredida, mas ficou abalada. Lindemberg tinha um revólver e um saquinho com 20 a 30 estojos íntegros de munição. Nayara se recorda que viu Lindemberg vasculhando o quarto de Eloá. Atrás do guarda roupa, tinha uma arma tipo espingarda. Ele não sabia manusear a arma e a guardou.


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