São Paulo, domingo, 20 de novembro de 2005

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RESERVA DE MERCADO

Projeto do curso dispensa sem-terra de prestar vestibular e prevê provas orais no lugar de escritas

USP estuda criar graduação para o MST

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

A mais importante universidade brasileira, a USP, está a um passo de aprovar a criação do curso de graduação em pedagogia da terra. Proposto pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra à Faculdade de Educação, o pedagogia da terra está projetado para atender a 60 alunos que preencham os seguintes pré-requisitos: ser proveniente de assentamentos e acampamentos de sem-terra, ter diploma de conclusão do ensino médio e atestado emitido pela direção estadual do MST de São Paulo comprovando experiência mínima de dois anos com "educação ou formação popular no campo".
Como o pedagogia da terra é um curso especial, será formada uma única turma. Novas turmas dependerão de nova aprovação nas instâncias universitárias.
Nos 71 anos de existência da USP, será a primeira vez que a instituição terá um curso monopolizado por membros de um movimento social específico.
Se aprovada a criação do novo curso, os estudantes de pedagogia da terra ingressarão no ensino superior sem passar pelo vestibular. Em vez disso, o processo seletivo prevê que os candidatos apresentem um memorial, descrevendo "sua história de vida e sua prática educativa como educador do campo" e "as razões pelas quais pretende realizar o curso."
Uma banca composta por professores da Faculdade de Educação da USP analisará o memorial e a documentação dos inscritos e selecionará os aprovados.
Ao fim de quatro anos, os estudantes receberão o valorizado diploma com o logotipo da USP. No caso deles, um diploma de licenciatura plena com autorização para atuar nas áreas de magistério do ensino médio, da educação infantil, do ensino fundamental, todos voltados à "educação no campo". Também poderão exercer funções de "coordenação e supervisão de atividades pedagógicas em escolas e instituições voltadas para a educação no campo".

Prova oral
O projeto de curso já conseguiu pareceres favoráveis quanto à proposta pedagógica e à legalidade. Resta ser aprovado pelo Conselho de Graduação da USP e encaminhado ao reitor, que baixará portaria formalizando a criação.
A influência do MST na concepção do curso levou a que a forma de avaliação dos alunos tenha características inéditas em se tratando da USP. No documento com a proposta oficial, lê-se:
"Durante o processo de discussão e elaboração do Projeto do Curso Especial de Graduação "Pedagogia da Terra", ponderou-se que para enfrentar e superar as dificuldades -já diagnosticadas por diversas pesquisas e pelos próprios movimentos sociais- de expressão escrita, seria interessante (...) que um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), com "defesa oral", perante banca examinadora, fosse considerada exigência do curso".
Na prática, o texto admite que, depois de quatro anos de ensino superior, alunos do pedagogia da terra cheguem ao trabalho de conclusão de curso tendo de recorrer à "defesa oral", como forma de "enfrentar e superar" dificuldades com a expressão escrita.
A professora Sonia Teresinha de Sousa Penin, pró-reitora de graduação e presidente do Conselho de Graduação da USP, diz que esse ponto é um dos mais polêmicos em todo o projeto. "Isso ainda pode mudar. É preciso que um curso ministrado sob o nome da USP, ainda que seja um curso especial como esse, obedeça aos padrões de qualidade da universidade."
Quarenta e oito professores da Faculdade de Educação já se dispuseram a contribuir para a implementação do curso, inclusive ministrando aulas em regime de voluntariado. Entre os professores de outras unidades da USP que colaboraram na elaboração da proposta estão a filósofa Marilena Chauí e o jurista Dalmo de Abreu Dallari, autor de parecer sobre a legalidade da iniciativa.
A reportagem da Folha perguntou à professora Sonia Penin se ela considera viável a hipótese de a USP vir a promover um curso para filiados à União Democrática Ruralista, a UDR, a exemplo do que se propõe para o MST.
"Certamente, uma proposta dessas seria analisada desde que, como foi o caso aqui, um curso para a UDR fosse defendido por professores da USP." Para a professora, a universidade decidirá segundo o mérito e a relevância social da proposta. "É uma avaliação meticulosa, caso a caso. Não é possível fazer generalizações."
O curso todo deverá custar R$ 720 mil, ou R$ 180 mil por ano. Os recursos provêm do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, o chamado Pronera, criado em 1998 durante o governo Fernando Henrique Cardoso.
Formalmente, o pedagogia da terra resulta de convênio a ser firmado entre o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e a Fundação de Apoio à Faculdade de Educação.


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