São Paulo, segunda-feira, 20 de novembro de 2006

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MOACYR SCLIAR

O Partido do Pinto Alegre


Um vereador lembrou a frase de Tancredo, que o poder é afrodisíaco, ponderando que a inversa é verdadeira

 Distribuição de remédio para disfunção erétil anima idosos. A Prefeitura de Novo Santo Antônio, a 1.200 km de Cuiabá (Mato Grosso), instituiu um programa de distribuição grátis de remédios contra a disfunção erétil -é o Pinto Alegre. É preciso ter mais de 60 anos e prescrição médica. Quatro comprimidos são entregues mensalmente para cada participante. "A procura é alta demais. Tem um senhor aqui de 91 anos que todo dia quer comprimido." Os homens recebem também uma cesta básica como forma de "despertar o interesse" pelas consultas aos médicos do município. "Mas alguns são meio atrevidos. Eles não querem nem saber da cesta básica, querem o remédio." Cotidiano 15 de novembro

A distribuição de remédios contra a disfunção erétil foi um absoluto sucesso, em todos os sentidos, e acabou tendo um efeito inesperado. Os idosos que se encontravam regularmente para receber o medicamento, muitos dos quais não se conheciam (na verdade, nem saíam de casa), agora começavam a conviver; saindo do ambulatório iam para o bar tomar uma cerveja e bater um animado papo. Muitos deles, que antes se mostravam desanimados, agora tinham uma renovada confiança no futuro. Confiança que, diga-se de passagem, era explicável.
Vários ali haviam sido pessoas destacadas no município, empresários, profissionais, líderes comunitários. Nada impedia que voltassem a mostrar o seu valor. A certa altura a idéia emergiu espontaneamente: por que não criar um partido político? Discutiram o assunto, chegaram a um acordo -sim, aquilo seria uma grande iniciativa- e de imediato puseram mãos à obra. O que não foi difícil: o nome da agremiação emergiu naturalmente, Partido do Pinto Alegre (PPA). O hino, conforme sugestão de um dos membros, antigo esquerdista, seria o da Internacional Comunista, com uma pequena adaptação: no verso inicial, "De pé, ó vítimas da fome", a expressão "vítimas da fome" seria substituída por uma outra, engraçada e impublicável. Um dos fundadores do PPA, conhecido artista plástico, desenhou a bandeira, que era um falo estilizado rodeado pelos conhecidos comprimidos do remédio.
A convenção que fundou o PPA foi uma verdadeira festa, transmitida a todo o país pela televisão. O comitê central apresentou aos membros do partido (membros era, ali, uma palavra constantemente pronunciada, e com muito orgulho) um projeto de estatuto. Diziam, entre outras coisas, que o ingresso na agremiação era vedado a menores de 60 anos, que o partido lutaria pelos direitos sexuais -sempre, claro, com meios democráticos: "ereção pela eleição, eleição pela ereção" era a divisa proposta para as campanhas eleitorais.
Obviamente nem todo mundo estava de acordo com o movimento. Alguns achavam aquilo uma coisa francamente imoral; outros viam na iniciativa um complô da indústria farmacêutica, sempre ansiosa por vender remédios. De maneira geral, porém, as pessoas aprovavam. Um vereador lembrou a frase de Tancredo Neves, segundo a qual o poder é afrodisíaco, ponderando que a inversa é verdadeira, que afrodisíacos (ou equivalentes) também podem levar ao poder.
Ou seja: o PPA parece ter inaugurado uma nova fase na política. Como diz a grata esposa de um dos fundadores, o pinto finalmente virou galo. E o canto desse galo está destinado a ecoar longe.


MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha


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