São Paulo, segunda-feira, 20 de novembro de 2006

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Preconceito também atinge elite negra

""Parece até que é proibido ser negro brasileiro", afirma Emanoel Alves de Araújo, fundador e diretor do Museu Afro-Brasil

Negros entrevistados pela Folha dizem ser seguidos por seguranças em três dos shoppings mais ricos da cidade de São Paulo

Anna Carolina Negri/Folha Imagem
Na casa de shows de samba Consulado Music, em São Paulo, a teleoperadora Juliana de Assis (esq.) e a pedagoga Ivy Chang


LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

A secretária de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo, Eunice Aparecida de Jesus Prudente, 60, negra, tem uma filha adolescente. A menina sai com amigos (também negros) e vai a uma livraria em um dos shoppings mais sofisticados de São Paulo. Blackout na cidade, e as barreiras antifurto da loja (aquelas, que disparam uóóó-uóó-uóóó, na maioria das vezes sem motivo) param de funcionar. O gerente avisa em voz alta: ""Todos têm de ficar, até a volta da luz". A turminha negra fica, assim como os demais consumidores. Dez minutos depois, como a eletricidade demora a ser religada, o gerente vai a cada cliente branco, fala algo baixinho. Quando a filha da secretária se dá conta, só sobra na loja a turma de amigos negros. Os brancos foram embora, autorizados pelo cochicho do funcionário.
O elegante e culto Emanoel Alves de Araújo, 66, negro, artista plástico, fundador e diretor do Museu Afro-Brasil, já está acostumado: toda vez que vai a um hotel brasileiro padrão cinco estrelas, recebe-o um solícito funcionário, que lhe dirige a palavra sempre em inglês. ""Parece até que é proibido ser negro brasileiro e freqüentar um hotel caro." Em uma festa -""Só gente educada, amigável", diz Araújo, com ironia-, uma mulher tece comentários em voz alta sobre como trata a criadagem -a maioria, diga-se, negra: ""Eu não decoro os nomes delas. Chamo todas de Dita, e está bom. Elas entendem."
O promotor criminal Nadir de Campos Júnior, negro, é famoso desde junho, quando apareceu em todos os jornais como o aguerrido acusador da jovem, linda, rica e loira Suzane von Richthofen, ré confessa no homicídio dos pais, Marísia e Manfred von Richthofen. ""Por incrível que pareça, tive de explicar para muita gente que apenas estava fazendo o meu trabalho, quando acusava Suzane. As pessoas ainda têm dificuldade em ver um negro acusando um branco, mesmo quando o branco é um assassino frio, como ela mostrou ser."
O advogado e sociólogo José Vicente, 44, negro, reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares e coordenador da ONG Afrobrás, usa um expediente quase humorístico quando, em um shopping, vê-se sendo seguido ostensivamente por três ou quatro seguranças -todos os negros entrevistados pela Folha para esta reportagem disseram ser esse o padrão de tratamento com os afro-descendentes em três dos shoppings mais ricos da cidade. Vicente, que anda sempre de terno e gravata, pára, encara os seguranças, respira fundo e repete para si mesmo o mantra que o tranqüiliza: ""O presidente da República também anda todo o tempo seguido por seguranças." E vai em frente.
Na porta de restaurantes caros, Vicente já teve de agüentar o cliente apressadinho pedir-lhe que buscasse o carro dele, sem direito a desculpas, quando constatado o engano.
Apesar de nenhum dos casos acima ter acabado em denúncia de racismo, todos servem para mostrar como se faz um negro sentir-se mal acolhido.
""Mas está começando uma consciência isolada de que somos consumidores", diz o promotor Campos Júnior. A casa de shows Consulado da Cerveja, na zona norte, os shoppings D, Center Norte e Tatuapé, os restaurantes rodízio nas marginais, a panificadora Galeria dos Pães, nos Jardins, todos um sucesso de público, foram citados como estabelecimentos comerciais ""amigáveis" com os negros.
Professora do Instituto Tecnológico da Aeronáutica, a física negra Sonia Guimarães, única mulher afrodescendente no quadro docente da escola, acaba de comprar um Honda Fit vermelho (""Eu adoro cores"), em uma concessionária de São José dos Campos que expõe outdoors pela cidade exibindo um negro, chaves de um carro na mão, dizendo: ""Aqui sou bem atendido". "Se o racismo não acaba por bem, acaba pela ação sobre a parte mais sensível do capitalista: o bolso", diz o reitor da Faculdade Zumbi.


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