São Paulo, quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

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Gafisa usa subprefeitura para retirar favela da vizinhança

Oferta estava sendo intermediada por funcionários da gestão Gilberto Kassab

Para Ministério Público, que vai investigar o caso, "parceria" é ilegal; líder de moradores gravou proposta de assessor da prefeitura

Marcelo Soares/Folha Imagem
"Megaoutdoor" esconde favela ao lado de empreendimento


ROGÉRIO PAGNAN
DA REPORTAGEM LOCAL

A construtora Gafisa, por meio da Subprefeitura de Santo Amaro (zona sul), oferece R$ 15 mil para que moradores deixem uma favela próxima à avenida das Nações Unidas, bem ao lado de um de seus mais novos empreendimentos.
A oferta da indenização é feita por funcionários da gestão Gilberto Kassab (DEM). Procurado, ele não se manifestou.
A favela está irregularmente em uma área pública desde 1987, conforme afirma a própria subprefeitura. São 36 famílias, com mais de 120 pessoas, das quais 47 crianças. As casas são de alvenaria, algumas assobradadas. A subprefeitura deu, segundo os moradores, até 8 de janeiro para todos saírem.
A pedido da Folha, o líder da comunidade Campo Grande/ Jurubatuba, Luiz Geraldo de Oliveira, gravou uma conversa com o assessor especial da subprefeitura, Antonio Carlos Bernardi, 45. "Eu acho que é melhor [vocês saírem]. Porque se vocês criarem problema, vocês vão acabar perdendo esses R$ 15 mil. Porque a prefeitura tem um programa habitacional que é de R$ 5.000 para área de risco. Vocês não são área de risco", afirma Bernardi na gravação. Bernardi foi o mesmo funcionário indicado pela assessoria de imprensa da subprefeitura para comentar o caso. À Folha, ele disse que não há pressão para a saída dos moradores, que invadiram a rua. Ele alegou que a subprefeitura buscou uma parceria com a empresa, dizendo não existir uma política habitacional para indenizar moradores que não estão em áreas de risco. Os que estão recebem, no máximo, R$ 5 mil - o chamado "cheque-despejo". "Mais cedo ou mais tarde, eles teriam de sair."
A Gafisa disse, por meio de nota, que foi procurada pela subprefeitura e aceitou o acordo para indenizar as famílias. Mais tarde, porém, a construtora disse que foi ela que procurou a subprefeitura, mas não nega que o acordo foi fechado.
Moradores dizem que começaram a ser procurados por funcionários da subprefeitura após a construtora adquirir o terreno e passar a comercializar seus apartamentos, avaliados de R$ 280 mil a 400 mil. As obras terão início, segundo a empresa, em março de 2008.
Com medo de serem despejados, os moradores procuraram o Ministério Público. Segundo o líder da comunidade, nenhum morador aceitou, ainda, receber os R$ 15 mil.
"Estamos vivendo, há 15 dias, noites de terror. Ninguém dorme de medo de ser despejado", diz o metalúrgico José Avelar, que mora há 13 anos no local.
Antes do assédio da subprefeitura, dizem moradores, funcionários contratados pela Gafisa verificaram o tipo de imóvel e o total de moradores. O promotor José Carlos de Freitas, da Habitação e Urbanismo, diz que esse tipo de "parceria" é ilegal. "Não é usual funcionários da subprefeitura trabalharem a favor das construtoras." Ele já abriu procedimento para apurar o caso. Jorge Luiz Machado, especialista em direito imobiliário e direito civil, disse que o pagamento da indenização por parte da Gafisa "parece ilegal".
"Sem olhar profundamente a matéria, me parece ilegal a Gafisa fazer esse pagamento. A empresa pode até negociar diretamente com os moradores da comunidade, mas, com a interferência de órgão público, a empresa não pode participar."
No local do empreendimento, a Gafisa instalou um "megaoutdoor" de cerca de 300 metros quadrados (proibidos pela lei Cidade Limpa) para esconder a favela. Onde não foi possível pôr cartazes, a empresa colocou floreiras de concreto. A favela ficou quase invisível para quem passa pela rua.
Ao negociar com possíveis compradores de apartamentos, os vendedores do Gafisa afirmam que a favela será removida do local. "A favela ao lado do empreendimento será retirada em, no máximo, 90 (noventa) dias. Já está confirmado pela prefeitura e Gafisa S.A.", diz e-mail de vendedor do empreendimento, batizado de "Magic".


Colaboraram RICARDO VIEL e EVANDRO SPINELLI, da Reportagem Local

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