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PASQUALE CIPRO NETO
Preciosidades de Pessoa
O texto de Pessoa é mais uma demonstração de que é possível inverter o velho ditado ("A arte imita a vida")
EM SEU RECÉM-CONCLUÍDO
vestibular, a Unesp incluiu a
profunda e intemporal "Crônica da Vida que Passa" (de Fernando Pessoa), que assim começa:
"Às vezes, quando penso nos homens célebres, sinto por eles toda a
tristeza da celebridade.
A celebridade é um plebeísmo.
Por isso deve ferir uma alma delicada. É um plebeísmo porque estar em
evidência, ser olhado por todos inflige a uma criatura delicada uma sensação de parentesco exterior com as
criaturas que armam escândalo nas
ruas, que gesticulam e falam alto nas
praças. O homem que se torna célebre fica sem vida íntima: tornam-se
de vidro as paredes da sua vida doméstica; é sempre como se fosse excessivo o seu traje; e aquelas suas
mínimas ações -ridiculamente humanas às vezes- que ele quereria
invisíveis, côa-as a lente da celebridade para espetaculosas pequenezes, com cuja evidência a sua alma se
estraga ou se enfastia. É preciso ser
muito grosseiro para se poder ser
célebre à vontade".
Pessoa escreveu isso num tempo
em que não havia a grande "média",
como dizem os portugueses (nós dizemos "mídia", forma baseada na
pronúncia inglesa -é bom lembrar
que a palavra vem do latim). Quando
fala das "criaturas que armam escândalo nas ruas, que gesticulam e
falam alto nas praças", Pessoa parece antever o que hoje ocorre com os
pobres de espírito que falam alto ao
celular em qualquer canto ("tornam-se de vidro as paredes de sua
vida doméstica", diz o grande Pessoa). Imagine se ele vivesse sob os
zurros dos "big brothers" da vida...
O texto de Pessoa é mais uma demonstração de que é possível inverter o ditado ("A arte imita a vida").
Às vezes é a vida que imita a arte.
Posto isso, assentemo-nos ao rés-do-chão, ou seja, falemos de alguns
dos interessantes tópicos lingüísticos presentes no excerto de Pessoa.
Um deles diz respeito à palavra "pequenezes" ("espetaculosas pequenezes"). "Pequenezes" é o plural de...
De "pequenez" ("qualidade de pequeno"). Se nos valermos do próprio
Pessoa ("Tudo vale a pena se a alma
não é pequena"), poderemos, numa
livre adaptação, dizer que tudo vale a
pena, quando a pequenez da alma
não prevalece. É claro que não se pode confundir "pequenez" com "pequinês", que se refere à cidade de Pequim (os cães pequineses são pequineses porque vêm de Pequim).
Pois o plural de "pequenez" remete-nos ao de "gravidez", que os leitores sempre perguntam. O plural de
"gravidez" é como o de qualquer palavra terminada em "z", como "luz",
"raiz", "juiz", "meretriz", "giz" etc.,
isto é, é feito com o acréscimo de
"es" (luzes, raízes, juízes, meretrizes, gizes). Moral da história: "Suas
três gravidezes foram bem difíceis".
Outra passagem que merece destaque é "quereria" ("que ele quereria
invisíveis"). Trata-se da terceira do
singular do futuro do pretérito de
"querer". Na linguagem oral, essa
forma apresenta baixa incidência
(costuma ser substituída por "queria", do pretérito imperfeito -esse
processo é mais do que legítimo nas
variedades não-formais da língua).
Na escrita formal e na literária, o
uso de "quereria" não é raro ("Assim
eu quereria o meu último poema /
Que fosse terno dizendo as coisas
mais simples e menos intencionais...", escreveu Bandeira). É isso.
inculta@uol.com.br
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