|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MALOCA FASHION
Para diretor, clientes ficam "chocadas" com indígenas, que vendem peças a R$ 20 ao lado de blusas de até R$ 6.000
Loja "expõe" índio guarani em showroom
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
Quatro autênticos índios guaranis estão em exibição até o próximo dia 31 em um dos templos da
chiqueria paulistana, a loja Clube
Chocolate, sucedâneo moderno
da butique Daslu. Shortinho, rosto sério, sem conversar com ninguém, eles posam ao lado de uma
maloca, rede esticada, confeccionando artesanato. Servem de ornamento no ambiente conhecido
como "prainha" do clube, uma
faixa de areia com coqueiros, localizada no mesmo piso do restaurante da loja.
"Ele é de verdade?", perguntou à
Folha a turista italiana Maria Castelani, que ontem almoçava no
clube sem conseguir despregar os
olhos do chefe guarani Timóteo,
que, no entanto, não olhava para
ela, braços cruzados sobre o peito
nu, jeitão de cacique de desenho
animado.
O diretor da Clube Chocolate,
José Xavier de Britto Neto, um expert em consumo de alto luxo,
que morou seis anos em Hong
Kong e se habituou à ponte aérea
Ásia-Brasil, com escalas em Paris,
Milão, Londres e Nova York, confirma: as clientes da loja ficam
"chocadas", sim, (a palavra "chocada" é dele) com a cenografia de
índios autênticos. Mas ele explica
assim a fusão do mundo dos endinheirados com a maloquinha fashion de Timóteo: "É para a gente
aprender a valorizar o que é simples, lindo, e que, na maior parte
das vezes, passa despercebido".
Uma mulher indígena alterna-se com Timóteo na prainha. Ocupa o tempo confeccionando cestas. Na loja, informam que ela,
que nada diz, não fala português.
O salário dos índios cenográficos, garante o diretor da loja, é zero. "Não é exploração, Xavier?",
pergunta a reportagem. "Olha,
imagina quanto vale um córner
no clube", diz ele, referindo-se aos
pontos-de-venda que as lojas
multimarcas mais prestigiadas
cedem para as grifes estreladas.
"Pois bem, é como se tivéssemos
cedido um supercórner para os
guaranis apresentarem e venderem seu artesanato."
As cestas, colarzinhos e pulseiras dos índios são vendidas a R$
20 no setor do clube destinado às
mulheres românticas. Dividem o
espaço com blusinhas de até R$
6.000, produzidas por nativos de
tribos como Balenciaga e Azzedine Alaïa, localizadas em praias
bem distantes da aldeia de Timóteo, que fica na zona sul da cidade.
"Estamos homenageando o folclore, as lendas e mitos, a arte, a
língua do Brasil", afirma Xavier.
As estampas da coleção de jeans,
por exemplo, vêm com desenhos
usados na pintura corporal de índios do Xingu; os botões são fabricados em cerâmica, com motivos de tribos da Amazônia.
"Ritmo de índio, sabe?"
A "prainha" foi planejada pelo
arquiteto paulistano Isay Weinfelf. Foi nela que se instalou a maloca construída em quatro "longos" dias. "É aquele ritmo de índio, sabe?", explicou Xavier.
Os guaranis recrutados pelo
Clube Chocolate são parte dos
2.716 que ainda sobrevivem no
Estado de São Paulo, e que, na capital, moram em três aldeias conhecidas por Krukutu, Barragem
e Jaraguá.
Segundo Luiz Fernando Villares
e Silva, procurador-geral da Funai, órgão federal de proteção aos
índios, a etnologia chique do clube onde se enfiou o cacique Timóteo é uma espécie de avesso da vida simples que existe nas tribos
guaranis. "Eles não são miseráveis, mas prezam a simplicidade.
São tímidos e têm uma dificuldade imensa para aprender o português, apesar de manterem contato com o mundo branco há centenas de anos."
A decoração "brasileirinha" do
clube incorpora ainda uma cacatua e outros primos dos papagaios, além de uma dezena de galinhas d'angola, que ficam defronte a uma casa dos anos 40, localizada nos fundos do clube, agora maquiada de modo a parecer
feita de pau-a-pique.
No restaurante, em que se usa
um sal marinho cotado em R$ 120
o quilo, e cujo chefe de cozinha já
preparou banquetes no Plaza
Athennée de Paris (diárias de até
6.300), agora se servem inesperados croquetes de feijoada. Nesse
Brasil diferente, quem quiser ver
os índios do cenário tem de chegar
até o começo da tarde -eles só
permanecem até que o último
cliente do almoço levante-se da
mesa. Aí, só se encontram na tribo
real, perto da represa Billings, onde não tem celular, internet nem
roupinhas fashion -só os indefectíveis shorts e havaianas.
Texto Anterior: Infância: Projeto proíbe castigo físico em crianças Próximo Texto: Panorâmica - Praia Grande: Defesa quer liberdade provisória para atropelador Índice
|