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INFÂNCIA PERDIDA
Aumento de adolescentes exigiu reformulação de unidades, que nos anos 90 davam cuecas para internas
Febem teve de se adaptar às mudanças
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando recebeu a notícia de
que iria dirigir uma unidade feminina da Febem, a assistente social
Maria Aparecida Tonet não escondeu o descontentamento. "Será que não tem nenhuma unidade
de meninos para mim?", passou a
repetir, inconformada.
Ela foi comandar, em 1998, uma
das três unidades femininas criadas depois da desativação da ala
de meninas no complexo Imigrantes. Todo o complexo foi desativado no ano seguinte depois
de uma rebelião que causou a
morte de quatro internos.
Na época, as garotas usavam
cuecas porque a fundação não
comprava materiais específicos
para meninas. Conseguir absorventes também era uma tarefa difícil na Febem.
Mas Tonet insistiu nas reuniões
de diretores, agüentou ironias ao
pedir coisas tipicamente femininas e enfrentou colegas que sustentavam que as prioridades deveriam ser as unidades com
maior número de internos. Hoje,
é a principal defensora de um tratamento diferenciado para meninas na Febem.
Chefe da coordenadoria técnica
de atendimento feminino, Tonet
admite que teve preconceito.
"Existia um mito de que as meninas eram muito piores que os meninos. Elas não são melhores nem
piores. São diferentes", afirma.
Segundo ele, a infratora dissimula mais as suas reações e é mais
desconfiada. "Você demora mais
para ganhar a confiança. As mulheres são assim e isso tem de ser
levado em conta no processo de
recuperação", diz.
Para Marcus Alexandre da Silva, diretor da UIP, na Mooca, que
também já trabalhou com meninos, se a "dissimulação teatral"
das garotas é um obstáculo, a
emotividade feminina pode se
tornar uma aliada no processo de
reabilitação. "As meninas maquiam o que pensam, mas a emoção faz com que se aproximem
mais", sustenta.
O circuito feminino não enfrenta denúncias como as unidades
dos meninos -o Ministério Público investiga supostos maus-tratos, espancamentos coletivos e
até mortes de internos nos complexos da Vila Maria, Tatuapé,
Raposo Tavares e Franco da Rocha. A maior reclamação é sobre
descentralização. Todas as unidades femininas ficam na capital.
Segundo Tonet, o número de
meninas cumprindo pena
-4,5% do total da instituição-
torna inviável a construção de
unidades no interior. Se fossem
distribuídas pelas cidades de origem, segundo ela, o resultado seria duas ou três internas por local.
A promotora da Infância e Juventude de São Paulo Sueli Riviera discorda. "A lei é clara. A interna tem de ficar próxima de sua família", afirma.
Segundo a promotora, a Febem
poderia fazer a descentralização
por meio de sedes regionais,
aproveitando a estrutura já existente. "Uma menina do interior
vai para a capital, distante da família e das pessoas que conhece."
Criminalidade
Mas só as características da personalidade feminina, descritas
por funcionários da Febem, e a
emancipação da mulher não justificam a participação mais ativa
das garotas no crime. A explicação, segundo especialistas, pode
estar nas características da criminalidade em São Paulo.
A banalização do crime em São
Paulo ajuda a entender o papel
das meninas, segundo a pesquisadora Karyna Batista Sposato, diretora-executiva do Ilanud. Segundo ela, o fato de a maioria das
ações dos criminosos ser desordenada, sem facções fortes nas ruas,
e de os grupos serem formados de
última hora faz com que a hierarquia não seja tão rígida.
"No Rio, onde grande parte dos
crimes são coordenados por facções, essa hierarquia é mais forte e
a mulher passa a ter papéis mais
subalternos", diz Sposato.
Segundo o cientista político
Guaracy Mingardi, que participou de uma pesquisa feita para a
ONU (Organização das Nações
Unidas) sobre o tráfico, no Rio as
garotas são destacadas mais para
funções de embalagem e preparação da droga e de "olheiras".
"O tráfico do Rio de Janeiro é
mais militarizado e a hierarquia
entre os membros da quadrilha
passa a ser maior", diz.
(GILMAR PENTEADO)
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