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SAÚDE
Vírus, descoberto em 1992, sobrevive até 72 horas fora do corpo e em minúsculas quantidades de sangue
2,4 milhões têm hepatite C sem saber
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
As hepatites virais vêm sendo
chamadas de a "Aids do século
21". Tratadas dessa forma, parecem uma ameaça distante. Puro
engano de ótica. Já há sete vezes
mais portadores da hepatite C do
que gente vivendo com HIV/Aids.
E existem agravantes: o vírus C,
transmitido pelo sangue, só foi
identificado em 1992. Pessoas que
fizeram transfusão de sangue antes disso, ou tomaram injeção no
tempo em que a seringa de vidro
era fervida na caixinha de metal,
podem ser portadores do vírus.
Da mesma forma, quem dividiu
ou divide alicates de unha, navalhas ou cortadores de barba,
quem colocou piercing, fez tatuagem ou quem compartilhou escova de dentes também acabou sendo exposto ao risco.
Diferentemente do HIV, o vírus
da hepatite chega a sobreviver 72
horas fora do corpo e em minúsculas quantidades de sangue. Por
isso os consultórios de dentistas e
ambientes hospitalares são locais
de risco de infecção.
No Brasil, o Ministério da Saúde
estima que existam 3 milhões de
pessoas infectadas, 140 mil delas
estão na capital paulista. Desse total, quase 80% não sabem da infecção, e entre os que descobriram, mais de 40% não imaginam
como contraiu a doença.
A hepatite C pode demorar de
20 a 30 anos para se manifestar. E,
quando isso ocorre, a maioria já
está com fibrose em estágio 4,
próximo da cirrose ou do câncer
de fígado. Para muitos, só resta a
fila do transplante, na qual mais
de 40% vão morrer antes de conseguir um órgão.
A gravidade da doença está fazendo soar o alarme nos órgãos
públicos e na sociedade civil. "Estamos organizando os serviços",
diz Jerusa Maria Figueiredo, coordenadora do programa de hepatites virais do Ministério da Saúde.
Está descartada, ao menos por
enquanto, a testagem indiscriminada -os serviços de saúde não
teriam condições de lidar com um
número tão grande de portadores
do vírus. A estratégia é convidar
para testes pessoas que acreditam
ter vivido situações de riscos.
No Paraná, por exemplo, todas
as unidades básicas de saúde fazem a triagem sorológica. Em São
Paulo, a Secretaria da Saúde vem
distribuindo folhetos que trazem
informações sobre as hepatites B e
C, diz como se pega, lista os cuidados e relaciona os serviços que
podem fazer o diagnóstico na cidade. "Já foi feita uma primeira
ação em estabelecimentos de beleza e em dentistas", diz Evaldo
Stanislau Affonso de Araujo,
coordenador da área de hepatites
na Secretaria Municipal de Saúde.
Com base em dados do Pro-Aim -programa da prefeitura
que monitora as causas de morte-, ele diz que, de 1996 a 2003, as
mortes por hepatites virais, na faixa de 15 a 65 anos, ocupam o terceiro lugar, depois das doenças do
coração e das mortes violentas.
Segundo Araujo, a porcentagem de infectados passa de 1,42%,
na população paulistana em geral,
para 3,5%, entre aqueles acima de
60 anos. Daí a preocupação com
transplantes, muitas vezes a única
esperança para pacientes. Equipes estão sendo treinadas em sete
hospitais para agilizar e aumentar
as doações de órgão.
Há uma década, o governo poderia ter adotado os exames da
hepatite C em conjunto com os
testes para o HIV, segundo ONGs,
muitas criadas nos últimos anos.
"Cerca de 80% das infecções, sobretudo entre os mais velhos, foram causadas por transfusões",
diz Jeová Pessin, presidente do
Grupo Esperança, de Santos.
"Não há campanhas governamentais suficientes", diz Sidnei
Moura Nehme, 58, que preside a
ONG Transpática, de São Paulo.
A luta pelo direito aos medicamentos na rede pública foi comandada pelas ONGs. O Interferon, associado à Ribavirina, era a
medicação oferecida pelo Estado.
O surgimento do Interferon Peguilado, elevando a R$ 5.000 o
custo mensal do tratamento, se limitava aos portadores da hepatite
C do genótipo 1. Hoje, segundo as
ONGs, a Justiça também garante
essa medicação a portadores do
genótipo 2 e 3. Os testes, necessários para o acompanhamento da
medicação, também estariam em
vias de serem normalizados.
O Interferon Peguilado também
se mostrou eficaz no tratamento
de portadores de co-infecção da
hepatite C com o HIV, conforme
estudo apresentado no Congresso
Internacional sobre Estudos do
Fígado, realizado nesta semana
em Salvador (BA).
Segundo a médica Maria Cássia
Mendes Corrêa, coordenadora de
hepatites da Casa da Aids do Hospital das Clínicas, a cura com esse
medicamento chega a 40%, segundo estudo com 868 pacientes
co-infectados em 19 países. "Sem
a medicação, os pacientes de Aids
morrem pela hepatite C", diz ela.
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