São Paulo, domingo, 21 de março de 2004

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ENTREVISTA

OMS adota modelo brasileiro para combater Aids em países pobres

DA REPORTAGEM LOCAL

De pouco falar, de pouco aparecer, o médico dermatologista Paulo Roberto Teixeira, 55, é hoje a principal autoridade em Aids no mundo. Por razões pessoais, ele vai deixar em dois meses a mais alta função designada a alguém diante da epidemia.
É ele o responsável por implantar, com a OMS (Organização Mundial da Saúde), um projeto, do qual é um dos autores, que foi batizado de "3 em 5". A proposta é oferecer medicamentos contra a Aids a 3 milhões de doentes de países pobres em cinco anos. Para nós brasileiros -onde o coquetel é oferecido a todos- fica difícil imaginar que só 400 mil, de 20 milhões de doentes, recebam os remédios no mundo. Cerca de 150 mil desses moram no Brasil.
Teixeira se especializou em dermatologia na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e assumiu a área de hanseníase no Estado. Foi ele que, em 1983, quando havia apenas notícias não confirmadas de quatro doentes de Aids no país (e a epidemia nem nome tinha) insistiu e criou um serviço voltado para essa nova doença.
Teixeira criou e dirigiu o primeiro programa de Aids no país, no Estado, e mais tarde passou a coordenar o programa nacional.
Quando surgiu o AZT, os que recebiam o medicamento eram vistos como condenados à morte. Depois vieram novos inibidores do vírus, até que, em 1996, chegou-se ao coquetel de três diferentes drogas, que reduziu rapidamente a mortalidade. Ao mesmo tempo, criava-se uma barreira contra o preconceito.
Ao lado do então ministro José Serra, o país passou a defender uma posição condenada até pela OMS: a distribuição de medicamentos para todos. "Por muito tempo, a comunidade científica e as instituições internacionais, como a própria OMS, trataram a estratégia brasileira como irresponsável." Leia trechos da entrevista concedida à Folha, por e-mail:
 

Folha - Houve momentos em que vocês sentiram que seriam derrotados pela epidemia?
Paulo Roberto Teixeira
- Certo período, a epidemia parecia invencível. Não havia leitos, não havia tratamento efetivo, os pacientes eram cada vez mais pobres, os órfãos se multiplicavam, os pacientes morriam em ambulâncias e corredores dos prontos-socorros. Para tudo, a sociedade brasileira achou uma forma de resolver ou minimizar: mais e mais ONGs, casas de apoio, novos centros de atendimento, mais leitos, mais remédios, a opinião pública (sobretudo os jornalistas) sem dar trégua às autoridades.
E assim fomos nos organizando e nos aperfeiçoando. As ONGs foram o primeiro passo para a criação dos programas e a organização da resposta nacional. Diria, sem risco de errar, que construímos coletivamente um processo de participação social que não encontra paralelo em outro país.

Folha - O aprendizado com a Aids foi transferido para outras enfermidades?
Teixeira
- A nossa atitude sempre foi: usemos o exemplo da Aids para promover avanços em todas as áreas; controle da qualidade do sangue, melhoria do atendimento aos usuários de drogas injetáveis, dos profissionais do sexo, investimentos nos serviços de pré-natal. Adicionalmente, a participação das ONGs/Aids, abriu caminho para militância social em relação a outros agravos.

Folha - Como foi o relacionamento com o os laboratórios?
Teixeira
- De simples cliente, o Brasil passou a atuar como um estrategista e um negociador. Todas as possibilidades de negociação foram adotadas (da produção de genéricos às ameaças de quebra de patente). A decisão de considerar a quebra de patentes nasceu de uma conversa com ministro José Serra, logo após a conferência de Durban, em 2000.
Concluímos que o alto preço dos medicamentos tornaria insuportável a qualquer país garantir o tratamento nos padrões necessários. A Farmanguinhos (laboratório oficial) já se desdobrava em dominar a técnica de produção de novas drogas e esta possibilidade, com a licença compulsória, tomou o vulto que conhecemos. As negociações então, passaram para um outro patamar e, desde então, acordos com a indústria farmacêutica têm sido altamente satisfatórias para o país. (AB)


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