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ENTREVISTA
OMS adota modelo brasileiro para combater Aids em países pobres
DA REPORTAGEM LOCAL
De pouco falar, de pouco aparecer, o médico dermatologista
Paulo Roberto Teixeira, 55, é hoje
a principal autoridade em Aids no
mundo. Por razões pessoais, ele
vai deixar em dois meses a mais
alta função designada a alguém
diante da epidemia.
É ele o responsável por implantar, com a OMS (Organização
Mundial da Saúde), um projeto,
do qual é um dos autores, que foi
batizado de "3 em 5". A proposta
é oferecer medicamentos contra a
Aids a 3 milhões de doentes de
países pobres em cinco anos. Para
nós brasileiros -onde o coquetel
é oferecido a todos- fica difícil
imaginar que só 400 mil, de 20 milhões de doentes, recebam os remédios no mundo. Cerca de 150
mil desses moram no Brasil.
Teixeira se especializou em dermatologia na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e assumiu a área de hanseníase no Estado. Foi ele que, em 1983, quando
havia apenas notícias não confirmadas de quatro doentes de Aids
no país (e a epidemia nem nome
tinha) insistiu e criou um serviço
voltado para essa nova doença.
Teixeira criou e dirigiu o primeiro programa de Aids no país,
no Estado, e mais tarde passou a
coordenar o programa nacional.
Quando surgiu o AZT, os que
recebiam o medicamento eram
vistos como condenados à morte.
Depois vieram novos inibidores
do vírus, até que, em 1996, chegou-se ao coquetel de três diferentes drogas, que reduziu rapidamente a mortalidade. Ao mesmo
tempo, criava-se uma barreira
contra o preconceito.
Ao lado do então ministro José
Serra, o país passou a defender
uma posição condenada até pela
OMS: a distribuição de medicamentos para todos. "Por muito
tempo, a comunidade científica e
as instituições internacionais, como a própria OMS, trataram a estratégia brasileira como irresponsável." Leia trechos da entrevista
concedida à Folha, por e-mail:
Folha - Houve momentos em que
vocês sentiram que seriam derrotados pela epidemia?
Paulo Roberto Teixeira - Certo
período, a epidemia parecia invencível. Não havia leitos, não havia tratamento efetivo, os pacientes eram cada vez mais pobres, os
órfãos se multiplicavam, os pacientes morriam em ambulâncias
e corredores dos prontos-socorros. Para tudo, a sociedade brasileira achou uma forma de resolver
ou minimizar: mais e mais ONGs,
casas de apoio, novos centros de
atendimento, mais leitos, mais remédios, a opinião pública (sobretudo os jornalistas) sem dar trégua às autoridades.
E assim fomos nos organizando
e nos aperfeiçoando. As ONGs foram o primeiro passo para a criação dos programas e a organização da resposta nacional. Diria,
sem risco de errar, que construímos coletivamente um processo
de participação social que não encontra paralelo em outro país.
Folha - O aprendizado com a Aids
foi transferido para outras enfermidades?
Teixeira - A nossa atitude sempre foi: usemos o exemplo da Aids
para promover avanços em todas
as áreas; controle da qualidade do
sangue, melhoria do atendimento
aos usuários de drogas injetáveis,
dos profissionais do sexo, investimentos nos serviços de pré-natal.
Adicionalmente, a participação
das ONGs/Aids, abriu caminho
para militância social em relação
a outros agravos.
Folha - Como foi o relacionamento com o os laboratórios?
Teixeira - De simples cliente, o
Brasil passou a atuar como um estrategista e um negociador. Todas
as possibilidades de negociação
foram adotadas (da produção de
genéricos às ameaças de quebra
de patente). A decisão de considerar a quebra de patentes nasceu
de uma conversa com ministro
José Serra, logo após a conferência de Durban, em 2000.
Concluímos que o alto preço
dos medicamentos tornaria insuportável a qualquer país garantir
o tratamento nos padrões necessários. A Farmanguinhos (laboratório oficial) já se desdobrava em
dominar a técnica de produção de
novas drogas e esta possibilidade,
com a licença compulsória, tomou o vulto que conhecemos. As
negociações então, passaram para
um outro patamar e, desde então,
acordos com a indústria farmacêutica têm sido altamente satisfatórias para o país.
(AB)
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