São Paulo, domingo, 21 de março de 2004

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BANHO DE LOJA

Bairro do centro de SP prepara-se para virar grande pólo de moda

Bom Retiro contra-ataca

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um pedaço do Bom Retiro sofreu um choque de design. Os comerciantes do bairro que produz um terço da roupa brasileira, segundo estimativa dos lojistas, perceberam que para vender moda que pareça de ponta precisam ter lojas com arquitetura fashion.
Esse ovo de Colombo desencadeou um movimento de revitalização do bairro na região central de São Paulo, impulsionado por uma nova geração de empresários coreanos. As repercussões dessa nova onda vão desde o aumento da exportação à renovação urbana, da abertura de bares à hotelaria. Há boas novas em pelo menos cinco frentes:
  O governo do Estado decidiu criar uma Escola Superior de Moda num prédio de 1893 que abrigou o Desinfectório Central, instituição que combatia epidemias;
  Começa a funcionar em maio um hotel quatro estrelas, num prédio de 16 andares, em frente ao parque da Luz. O Luz Plaza consumiu R$ 6 milhões e foi bancado integralmente por três empresários de origem coreana;
  Cerca de 200 lojas foram reformadas. Os espaços atulhados de roupas foram substituídos por lojas com pé direito duplo, com cerca de cinco metros de altura, e vitrines que exibem até motos Harley Davidson de R$ 50 mil;
  Quem faz compra na região vai ganhar calçadas mais largas, padronizadas e bancos para descansar. A fiação será subterrânea e os postes vão desaparecer. As obras serão lançadas no dia 5;
  O mais ambicioso dos projetos, arquitetado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento do Estado e por uma organização não-governamental chamada Associação Projeto Bom Retiro, visa incluir a indústria da moda do bairro na globalização.
A capacidade de investimento dos comerciantes surpreendeu até a prefeitura: "Foi uma das melhores surpresas que tivemos", diz Marcos Barreto, 35, que coordena o programa de revitalização do centro da Emurb.

Muito além do urbanismo
Pode parecer delírio uma secretaria e uma ONG tentarem reposicionar um setor industrial ao mesmo tempo em que tentam recuperar um bairro, mas o arquiteto Cleiton Honório de Paula, 32, diretor do Projeto Bom Retiro, diz que a abrangência é proposital.
"Se você não for ambicioso em São Paulo, não faz nada. A maioria dos projetos urbanísticos fracassa porque não se articulam com o comércio, com a história e com a vocação da região."
O economista Julio Cesar Orfati Jr., 37, dono da SalSweet Beach Wear, que vende um biquíni decorado com 5.300 pérolas por 570 libras na Inglaterra, diz que o que está em jogo é a sobrevivência do bairro: "Só reformar calçada não resolve. Estamos mudando porque se vier a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), o Bom Retiro pode sumir do mapa".
Moda é a vocação do Bom Retiro desde os anos 20, quando os imigrantes judeus chegaram. Dominaram o comércio até o final dos anos 70, quando seus filhos deram as costas para o comércio e a área entrou em decadência. Vieram os coreanos, mas só agora eles começam a deixar as suas marcas. Uma das mais impressionantes é uma igreja católica para 1.500 pessoas num bairro famoso por suas 12 sinagogas.
O Bom Retiro foi escolhido para sediar um projeto de modernização do governo do Estado porque moda é um setor estratégico, segundo o secretário João Carlos Meirelles, 69: "O mundo fashion é uma das melhores oportunidades para exportar e gerar empregos".
Meirelles cita um estudo do BNDES, segundo o qual o setor têxtil é o que mais gera empregos. De cada R$ 1 milhão investido, são criados 197 empregos.
"Escolhemos o Bom Retiro porque eles não estão pedindo dinheiro. Querem tecnologia. Os coreanos têm uma objetividade impressionante", relata o secretário. O IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) prestará assessoria para um grupo de 30 empresas.

Made in Bom Retiro
O governo corre atrás de um fato esboçado -o Bom Retiro já exporta para os EUA, México, Chile, Inglaterra e França. "Conseguimos exportar porque a qualidade atingiu um padrão internacional", diz Won Suk Chang, 38.
O que obrigou o bairro e a moda ali produzida a mudar foi a globalização, segundo Chang: "A globalização puxou a qualidade para o alto. Hoje eu exporto para a França. Produzo as blusas que são vendidas no Club Med", diz.
A Rosa Chá, a mais conhecida das grifes do bairro, é talvez o melhor exemplo de como o mercado externo ajudou a tirar o bairro da decadência. Há oito anos, segundo o estilista Amir Slama, 39, ele exportava 0,3%; hoje, envia para fora 23% da moda praia que faz.
"A moda brasileira faz tanto barulho lá fora que criou espaço para uma segunda linha, que é a que movimenta a economia. É o Bom Retiro que está fazendo essa linha mais barata", afirma Slama.
A evidência, ele conheceu numa viagem a Miami: "São umas marcas de jeans "made in Brazil" que eu nunca vi no Brasil".
A mudança já pode ser vista nas ruas: são compradores americanos, chilenos ou mexicanos.
É esse público mais sofisticado que Reginaldo Olivi, 43, diretor do grupo hoteleiro Chambertin, busca para o hotel quatro estrelas que administrará no parque da Luz. Segundo ele, passam pela região do Bom Retiro 70 mil pessoas por dia e já há uma elite que busca acomodação melhor.
A grande questão que paira no ar, segundo ele, é segurança. "A Luz e o Bom Retiro têm tudo para virar o Soho por causa da Pinacoteca, da Sala São Paulo e do pólo de moda", diz, referindo-se à região de Nova York. "Mas, se não removerem a cracolândia, o paulistano não vem para cá."


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