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VISÃO POLICIAL
Delegados e promotores dizem que corrupção no alto escalão é mais sofisticada e difícil de apurar
Investigadores afirmam que a corrupção cresceu na gestão Pitta
VAGUINALDO MARINHEIRO
Editor de Cotidiano
ROGERIO SCHLEGEL
Editor-assistente de Cotidiano
A força-tarefa que investiga a
máfia da propina e reúne Polícia
Civil e Ministério Público está convencida de que a corrupção na prefeitura paulistana cresceu durante
a gestão Celso Pitta.
"Aquela rebelião (de vereadores), que houve no início do governo Pitta, fez com que o esquema se
fortalecesse ainda mais. Isso serviu
para, em alguma medida, legitimar
os esquemas", afirma o promotor
José Carlos Blat, 35.
Na ocasião, Pitta ameaçou tirar
dos vereadores o poder de indicar
os administradores regionais.
Ameaçado por uma CPI sobre os
precatórios, Pitta recuou.
"A coisa ficou muito mais avacalhada de um tempo para cá. De um
ano para cá, o prefeito está refém
da Câmara", diz o delegado Naief
Saad Neto, 45.
Os quatro concordam que conseguiram reunir provas de corrupção contra vereadores e um secretário municipal porque eles praticam uma corrupção "vulgar", do
tipo que aceita pagamento de propinas até em banheiros.
Mas eles não descartam que a rede de corrupção pode ir mais alto
na escala hierárquica da administração. "A gente nem pensava em
chegar aonde já chegou", diz o
promotor Roberto Porto, 30. Mas
afirma que essa outra corrupção é
mais sofisticada e difícil de apurar.
O delegado Romeu Tuma Jr., 38,
chega a sugerir a renúncia de Pitta.
Ele diz que "iria embora" se estivesse diante de um quadro generalizado de corrupção em órgão sob
sua responsabilidade.
Leia a seguir os principais trechos de entrevista concedida pelos
quatro na última sexta-feira.
Folha - Até onde essas investigações vão chegar? A rede de corrupção atinge os escalões mais altos
da prefeitura?
Roberto Porto - A gente nem pensava em chegar aonde já chegou.
Naief Saad Neto - Vamos até onde o cansaço permitir. A investigação não tem prazo para terminar.
Romeu Tuma Jr. - Há denúncias
contra todos os vereadores que
têm regional, contra secretários.
Mas eu não vou acusar o cara sem
provas. Tem que tomar cuidado.
Se o cara afirma que o Pitta levava
uma nota, é uma coisa. Se tiver
prova, nós investigamos.
Folha - Mas o sr. (Tuma) chegou a
sugerir a renúncia do prefeito?
Tuma Jr. - Se eu estivesse ainda
dirigindo a seccional sul, se estivesse diante desse quadro e não tivesse no mínimo enxergado isso,
eu iria embora. Porque ou eu estaria sendo conivente, ou estaria levando propina também ou eu seria
o cara errado para ocupar o cargo.
Não dá para acontecer o que
acontece e ninguém ver. Acontece
em todos os órgãos da prefeitura.
Foi manchete nos jornais em 97.
Folha - É mais difícil pegar a corrupção nos altos escalões?
Porto - Podemos falar em relação
ao Savelli (Alfredo Mário Savelli,
ex-secretário de Vias Públicas e
Serviços e Obras, que já está denunciado). O esquema é diferente
do de Viscome (Vicente Viscome,
vereador acusado de extorsão que
está foragido). Não se chega ao secretário com a facilidade com que
se chega ao vereador. É assim que
funciona um esquema organizado.
José Carlos Blat - E a cada escalão
que você sobe a dificuldade é
maior. Porque aí não é o próprio
sujeito que pega o dinheiro. O esquema é mais sofisticado, tem assessores no meio, e os valores movimentados são maiores.
Naief - No caso do Savelli, ele teve
de se expor. Participou de reuniões
com ambulantes (em que foram
feitas denúncias de extorsão), por
exemplo. A outros secretários,
ninguém tem esse acesso.
Porto - As acusações mais pesadas contra ele (Savelli) não são por
ter pego dinheiro de camelô, mas
de uma empresa, a W. Sita.
Naief - Mas a empresa fornece
barracas para camelôs e isso foi
uma forma de ele se expor. Mas
normalmente o secretário tem
uma barreira, tem a linha de frente
dele, ele é intocável. Se comete crime, é mais difícil provar.
Folha - Então a investigação pode ter menos sucesso na hora de
apurar denúncias contra pessoas
mais "importantes"?
Naief - Com os de cima, é difícil
pegar o rastro. O cara combina o
esquema e dá o número da conta
no exterior. Quem dá a propina
que se vire para depositar lá fora.
Já os vereadores são, vamos dizer,
vulgares em matéria de corrupção.
Porto - O próprio cara recebe o
envelope com dinheiro, no seu gabinete ou em um banheiro público
-até no banheiro da Câmara.
Folha - Vocês já estão próximos
do momento de ouvir o Pitta?
Porto - Não tem nem procedimento formal contra ele.
Folha - Mas ouvi-lo sobre o caso
como um todo?
Naief - Eu não vou enfeitar o inquérito trazendo prefeito aqui e
não ter o que perguntar para ele.
Folha - Quando começou essa rede de corrupção?
Blat - A rede está funcionando há
pelo menos oito ou dez anos. É difícil precisar quando começou.
Sempre existiu corrupção nas regionais, no baixo clero. Mas a organização disso vem de algum
tempo para cá.
Folha - Dez anos? Então, já havia
na gestão Maluf e na de Erundina?
Blat - Em tese. Em tese.
Folha - Os corruptos de hoje já
estavam atuando em 96, em 92?
Naief - Se você olhar nos anais da
imprensa, você vai encontrar corrupção com Maluf prefeito... Mas a
coisa ficou muito mais avacalhada
de um tempo para cá. Eu nunca tinha ouvido dizer que o prefeito estava refém da Câmara, e a gente
ouve isso de um ano para cá. No
governo Erundina e no Maluf, a
gente não imaginava isso...o prefeito refém da Câmara.
Folha - Existe um momento em
que a corrupção subiu de tom?
Blat - Não se sabe exatamente em
que momento. Mas aquela rebelião, que houve no início do governo Pitta, fez com que o esquema
-onde existia o esquema- se
fortalecesse ainda mais.
O Pitta não tinha alternativa: ou
ele entregava as regionais ou ele
sofria um processo de impeachment ou uma CPI. Ele acabou cedendo àquelas pressões políticas,
ao que tudo indica. Isso serviu para, em alguma medida, legitimar
os esquemas.
Folha - A CPI da Câmara ajuda ou
atrapalha as investigações?
Tuma Jr. - O trabalho da CPI tem
de ser respeitado. A maioria parece
interessada em apurar. O que não
dá para entender é que alguns vereadores estão ali querendo fazer
papel de juízes. Na primeira sessão, eles viravam para a testemunha e perguntavam: "Mas o senhor
foi forçado a dizer isso à polícia?'
Mais dez minutos e perguntavam
de novo. Isso quem tem de fazer é o
juiz de direito. Ele é quem tem de
perguntar se alguém apanhou do
delegado para dizer isso ou aquilo.
Folha - Há uma crítica que esse
inquérito tem muitas provas testemunhais (depoimentos) e poucas
documentais. Não há o risco de todo mundo sair livre na Justiça?
Blat - Antigamente a confissão
era considerada a rainha das provas. Hoje, todas as provas do inquérito policial têm o mesmo valor. Não há que desprezar a prova
testemunhal, neste caso, porque
um documento não foi achado.
Tuma Jr. - E a prova testemunhal
do caso tem muitos detalhes. Por
exemplo, um cara fala que entregava dinheiro para fulano de tal na
Câmara. Aí você pergunta, onde é
a Câmara? Onde fica o gabinete do
vereador? Em que andar? Como
você chega lá? Onde fica a ante-sala
do vereador? Como era a disposição dos móveis? Qual a cor do carpete? Por acaso essa prova testemunhal não vale?
Folha - Mas na Justiça ele pode
dizer que foi induzido, porque no
papel o depoimento aparece relatado pelo delegado.
Tuma Jr. - Estamos gravando os
depoimentos em vídeo para dar
mais credibilidade. E as perguntas
são abertas, ninguém induz as respostas. Além disso, mais provas
documentais vão aparecer quando
quebrarem sigilos bancários. Aí a
gente vai ver a movimentação do
dinheiro.
Naief - Quem é que pode contestar hoje a prova testemunhal da
Tânia (de Paula, assessora de Viscome)? Ela falou aqui, ela falou para a imprensa, ela falou na CPI.
Folha - Mas daqui a seis meses
ela pode dizer que inventou a história. Que tinha brigado com Viscome e inventado tudo.
Blat - Quando uma pessoa diz
uma coisa à polícia e outra em juízo, cabe ao juiz dar a valoração a
cada um dos depoimentos.
Folha - Não há o risco de um novo Collorgate, em que não conseguiram provar nada criminalmente
contra o ex-presidente?
Naief - Mas ele caiu. E caiu por
causa de um Fiat Elba.
Tuma Jr. - Há mais diferenças.
Naquele caso havia muito menos
testemunhos. Aqui você não tem
um cara falando sobre a corrupção. Você tem 500 caras contando
a mesma história, e com muitos
detalhes.
Naief - Naquele caso havia mais
profissionalismo na corrupção. Lá
se tratava de pouca gente e de mais
valores. Aqui se trata de muita gente e valores menores. Uma média
besta, aqui se tem uma média de 80
mil camelôs pagando propina de
R$ 40 por semana.
Folha - Advogados de pessoas
presas estão dizendo que a polícia
está montando um esquema "Doi-Codi'. Prende, isola, chama para
conversar no meio da noite...
Tuma Jr. - Não sou eu que prendo, é a Justiça. O juiz, para decretar
a prisão, quer ver indícios que justifiquem no inquérito.
Porto - Criticam até a operação
Mãos Limpas, da Itália, dizendo
que houve abusos. Toda investigação desse porte sofre esse tipo de
ataque.
Folha - E os supostos dossiês que
existiriam com denúncias contra
vocês?
Tuma Jr. - Eu já estava dizendo
desde o início que isso iria acontecer. Já trabalhei e já estudei casos
como esses de máfia. É sempre
igual. No começo é difícil encontrar provas materiais. Então nós
temos provas testemunhais. Aí
eles tentam matar essas testemunhas. Se eles não conseguirem matar, eles vão tentar desmoralizar
essas testemunhas.
Depois, tentam desmoralizar o
núcleo das investigações. Na operação Mãos Limpas, eles mataram
o núcleo da investigação. Isso é tática de crime organizado, e eu já dizia que tudo isso iria acontecer,
mesmo antes dos atentados contra
os camelôs. Mas esses autores de
dossiês precisam entender que as
investigações não estão sendo feitas pelo Tuma, pelo Blat. Mas pela
polícia, pelo Ministério Público. Se
eu sair do caso, outro delegado vai
continuar as investigações.
Folha - O sr. não acha que deu
pontos àqueles que acreditam que
o senhor tem algo a temer com a
divulgação de um dossiê, ao pedir
na quinta-feira férias e afastamento do caso?
Tuma Jr. - Não, porque não sou
covarde. Eu pedi férias porque estou emocionalmente cansado.
Nesse estágio você corre o risco de
perder o equilíbrio e uma hora dar
um tapa em alguém que está depondo. Aí, vou ser acusado de torturador e tudo o que eu fiz vai por
água abaixo. Por isso pedi férias. O
cansaço pode levar a gente a errar
no inquérito.
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