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VERSÃO OFICIAL
Prefeito afirma que não houve demora nem omissão para apurar as irregularidades
Pitta faz planos para se reeleger e diz não ser cúmplice da corrupção
JOSIAS DE SOUZA
Secretário de Redação
MARIO CESAR CARVALHO
da Reportagem Local
O prefeito de São Paulo, Celso
Pitta, planeja inverter o escândalo
da máfia da propina a seu favor.
Em entrevista à Folha, revelou que
considera-se candidato natural de
seu partido, o PPB, à própria sucessão. Não descarta nem sequer a
hipótese de disputar o pleito com
seu criador, Paulo Maluf.
Pitta comporta-se como se não
tivesse nada a ver com o escândalo
das administrações regionais, que
entregou a vereadores para conquistar a maioria na Câmara.
Diante de palavras como cúmplice
e co-responsável, age como um robô: não altera a voz nem a expressão e repete que mandou investigar tudo.
Apesar da corrupção em escala
industrial, das enchentes e do caos
urbano, Pitta imagina um futuro
róseo. "Depois da moralização da
prefeitura, faço uma gestão em que
a visibilidade das minhas ações começam a se tornar perceptíveis para a opinião pública e me credencio para a continuidade na vida
pública", diz na entrevista a seguir.
Folha - A polícia já indiciou 80
pessoas, prendeu 28 e 13 estão foragidas, entre as quais um vereador do PPB. O sr. sabia que a corrupção na prefeitura havia adquirido escala industrial?
Celso Pitta - Não. Os primeiros
indicativos de que a situação não
era mais pontual motivou o projeto de criação da corregedoria, enviado em dezembro à Câmara.
Folha - O sr. é mal assessorado ou
mal informado?
Pitta - Os fatos que chegaram ao
meu conhecimento eram pontuais
e todos eles foram objeto de sindicância e punição na forma prevista
na lei. Quando se teve o primeiro
sinal de que não seria fato isolado,
decidimos instituir a corregedoria.
Folha - Em 1997, numa entrevista
com o sr., foi feita a seguinte pergunta: "Há indícios de uma corrupção generalizada em São Paulo,
com ramificações em gabinetes da
Câmara Municipal. O sr. acredita
nisso?" O sr. dizia: "Não. Primeiro a
sua colocação é errada. A corrupção não é generalizada na administração municipal. Determinamos que a Secretaria das Administrações Regionais abrisse uma investigação para apurar todas as
denúncias apontadas, inclusive
identificando os funcionários envolvidos". O sr. não acha que houve demora e ineficiência?
Pitta - Não. Todas as situações
que chegaram ao nosso conhecimento foram objeto de rigorosa
investigação. Não houve descuido,
demora ou omissão. Esse assunto
não foi noticiado só em 97. É notícia há cerca de dez anos. Há manchetes de que os indícios de que a
corrupção na prefeitura são generalizados datadas de 90, 91.
Folha - Os prefeitos, incluindo aí
Paulo Maluf e o sr., na medida em
que mantiveram as regionais nas
mãos de vereadores, não são co-responsáveis por essa situação?
Pitta - É uma prática que se verifica em todas as esferas de governo, não havendo nada de condenável nela desde que os indicados sejam pessoas honestas. O que se coloca nesse momento é que esse
modelo se mostrou esgotado na cidade de São Paulo. Daí estarmos
trabalhando para a revisão de toda
essa situação. Sou a pessoa que
mais interesse tem em passar a
limpo essa situação. Esse assunto
irá até as últimas consequências.
Temos como aliados o Ministério
Público e a Polícia Civil, que estão
atuando junto com a prefeitura.
Folha - Os promotores e delegados dizem que a corrupção piorou
muito depois que o sr. cedeu à
pressão dos vereadores e entregou
a eles as administrações regionais.
O sr. não se sente cúmplice?
Pitta - Indicações para regionais
não são novidade desta administração. Assim, essa afirmação perde substância. Seis administradores e mais de 33 funcionários foram afastados na minha gestão.
Folha - Sendo tão antigo esse tipo de prática, por que o sr. acabou
cedendo aos vereadores?
Pitta - Na época, não se tinha a
dimensão que hoje se tem desse
problema. Naquele momento,
quando propus a criação de conselhos comunitários, houve um segmento da Câmara que se posicionou contra e ofereceu como alternativa a criação de uma ouvidoria
na área das administrações. Ela teria o envolvimento da sociedade
civil e serviria para a fiscalização.
No ano passado, demiti administradores e surgiu um movimento
contrário na base governista. A
mídia sempre se posicionou de
uma forma bastante diferente da
que se posiciona hoje. A mídia, nos
dois episódios, sempre se ocupou
em explorar o relacionamento do
Executivo com o Legislativo, não
indo ao âmago da questão que estava sendo objeto daquela polêmica, que era ter uma ação efetiva
contra qualquer irregularidade.
Folha - Foi um erro o sr. ter cedido à pressão dos vereadores?
Pitta - Não foi erro porque não
houve consentimento com uma situação irregular. Foi um acordo
político em que o objetivo a que eu
me propunha estava preservado,
com a criação da ouvidoria.
Folha - A ouvidoria tinha um motorista e um contínuo. Foi criada
para não funcionar...
Pitta - Se o primeiro núcleo da
ouvidoria se mostrou tímido para
o problema, em seguida se criou a
Secretaria de Comunicação Social,
que estabeleceu um sistema de comunicação direta com o público.
Folha - O que é intrigante é que o
problema é antigo, todos conheciam e não foi desmontado.
Pitta - Quando eu assumi havia
problemas pontuais. Hoje, nós temos uma dimensão diferente. Você pode dizer que hoje há uma colaboração externa. Ótimo.
Folha - O sr. há de concordar que
todas as iniciativas tomadas não
foram suficientes nem eficazes.
Pitta - Cada situação foi objeto
de uma investigação. Se o problema subiu de complexidade, a solução também, até que chegamos à
corregedoria. Fomos para a ouvidoria, para a Secretaria de Comunicação Social, para a corregedoria, para o pacote anticorrupção.
Folha - Entre essas medidas está
a decisão de entregar as administrações a técnicos. O sr. está convencido de que os vereadores aliados não são confiáveis?
Pitta - Não. Estou convencido de
que esse modelo, formalizado há
10, 11 anos, se esgotou.
Folha - Por que o sr. ainda hesita
em falar abertamente dos vereadores e seus desvios?
Pitta - Prezo muito a honra das
pessoas. Eu me considero injustiçado em diversos episódios. Tive a
minha imagem pública arranhada.
Se você colocar situações específicas, posso me manifestar.
Folha - Há o caso da Penha, do
vereador Vicente Viscome, há o da
Sé, do (ex-) vereador Hanna Garib.
Pitta - No caso da Penha, o vereador tem de se apresentar e dar satisfações de seus atos. Também deve se licenciar, para permitir ampla
e total investigação. O caso da Sé,
em tese, merece a mesma resposta.
Folha - O Ministério Público denunciou por formação de quadrilha o Alfredo Savelli. Num primeiro
momento, o sr. o manteve no cargo (secretário de Obras e de Vias
Públicas). Depois, aceitou a sua demissão. Que confiança pode ter a
população em um prefeito que
tem como um de seus principais
auxiliares uma pessoa envolvida
em um caso de polícia?
Pitta - A confiança que a população tem no prefeito se expressa na
lealdade, que é parte integrante da
minha personalidade. Nos dois
anos de gestão, não fui desleal com
qualquer um dos correligionários.
Savelli foi recrutado no seio de
uma das instituições mais sérias da
cidade, o Instituto de Engenharia.
A partir do momento em que colocou o seu cargo à disposição, externei essa minha confiança e ele,
entendendo que sua permanência
estava provocando algum tipo de
problema para a imagem do prefeito, se apressou. Mantive a minha lealdade, o que não quer dizer
que vou acobertar irregularidades.
Folha - O sr. não se sente constrangido em manter relações com
a Enterpa, uma das principais envolvidas no escândalo Pau Brasil,
de financiamento de campanhas
malufistas. E ainda de ter despesas
para assistir jogos na Copa da
França pagas pela Vega.
Pitta - Não, por favor. Sobre as
despesas de viagem, foi feita uma
investigação do Ministério Público. Quem pagou as despesas fui eu,
com o meu cartão de crédito.
Folha - O sr. pagou depois que a
imprensa noticiou.
Pitta - Paguei depois que peguei
a conta no hotel.
Folha - As relações da Enterpa
com campanhas malufistas são antigas. Há notas frias da empresa na
contabilidade da Pau Brasil.
Pitta - Abri uma averiguação para que uma comissão, em oito dias,
apresente conclusões sobre o envolvimento da empresa com pagamento de propinas. Feito isto, teremos elementos para promover a
rescisão do contrato do lixo.
Folha - O sr. acha normal que sua
mulher, Nicéa, peça aos administradores regionais para fazer árvores de Natal com dinheiro obtido
junto a empresários que as administrações deveriam fiscalizar?
Pitta - Nada foi exigido, foi só
uma sugestão. Todas as árvores foram feitas com patrocínio, doação
da comunidade. Esse assunto andou circulando em várias redações. A Folha achou por bem investigar. Mas acho que um cuidado deveria ter sido tomado.
O projeto foi de uma beleza ímpar. Muitas pessoas que vieram de
fora para o Natal se surpreenderam ao ver a cidade mais decorada
do que várias outras que já tinham
essa tradição, como Nova York.
Deixou-se esse lado bonito do projeto para se ater a uma pequenez.
Acho isso uma sordidez.
Folha - O sr. é considerado o pior
prefeito entre os de oito capitais.
Segundo o Datafolha, 63% dos
paulistanos o consideram ruim ou
péssimo. A população está errada
ou seu governo é ruim?
Pitta - Nem uma coisa nem outra. O trabalho que fiz nos primeiros anos, de saneamento financeiro, não aparece.
Folha - O curioso é que o sr. teve
de ser austero agora porque na Secretaria das Finanças, na administração Maluf, gastou demais.
Pitta - É outra afirmação que rebato veementemente. A Lei Kandir impôs uma perda substancial
na receita. Devemos ter perdido
alguma coisa entre R$ 180 milhões
e R$ 200 milhões. Isso nada tem a
ver com o endividamento, que subiu por conta dos juros altos.
Folha - O sr. não respondeu sobre o seu índice de popularidade.
Pitta - Eu paguei um custo de
ajuste que me coloca hoje numa
posição muito confortável. As
contas da prefeitura estão em
equilíbrio. É uma situação que
permite a retomada de investimentos. Essa visibilidade que a população não teve em dois anos vai
passar a ter.
Folha - A dívida foi rolada?
Pitta - No dia 25 de fevereiro, o
presidente Fernando Henrique
emitiu a medida provisória 1.811,
que estabeleceu padrões para o refinanciamento da dívida dos municípios. Isso está sendo objeto de
uma negociação, que vai ter um
contrato de financiamento, em
condições de 30 anos. Tudo é reversível. Temos um plano de investimento, sem endividamento.
Folha - Não vai parecer eleitoreiro reservar os investimentos para
os dois últimos anos de governo?
Pitta - Se você não faz nada é incompetente. Se faz, é eleitoreiro.
Folha - O sr. prefere ser incompetente ou eleitoreiro?
Pitta - Prefiro ser competente,
pagar o ônus de uma impopularidade, do que tentar uma medida
artificial ou eleitoreira.
Folha - Há um movimento anônimo chamado Pitta 2000. O sr. pretende se candidatar à reeleição,
apesar de tudo?
Pitta - É uma hipótese que não
descarto, embora não seja essa a
razão do meu trabalho. A razão do
meu trabalho é dar àquele eleitor
de 96, não o eleitor do ano 2000, a
resposta ao voto de confiança.
Folha - Sua mulher disse que votou em Mário Covas (PSDB) para o
governo do Estado e que 98 foi "o
ano de libertação" do casal. Como
vão as relações do sr. com Maluf?
Pitta - Lá em casa não existe voto
de cabresto. Sobre meu relacionamento com Maluf, há um certo
distanciamento desde a eleição de
outubro, não rompimento.
Folha - Esse distanciamento pode levar a uma eventual disputa
eleitoral entre o sr. e o ex-prefeito?
Pitta - Não descarto nenhuma alternativa, mas não trabalho com
esse cenário. Considero que há um
candidato natural do partido, que
é o atual prefeito. Trabalho com
um cenário em que um projeto de
governo inverta esse índice de popularidade. Depois desse saneamento financeiro, depois da moralização da prefeitura, faço uma
gestão em que a visibilidade das
minhas ações começa a se tornar
perceptível para a opinião pública
e me credencio para a continuidade na vida pública.
Folha - Cinco vereadores do PPB
deixaram o partido após as investigações da máfia da propina. O sr.
não teme acabar como Collor,
abandonado, sem aliados e, eventualmente, sofrer um processo de
impeachment?
Pitta - Eles se retiraram do partido, mas continuam me apoiando.
Um movimento contrário a mim
seria um movimento contrário à
minha determinação de passar as
coisas a limpo. Seria um movimento contra a opinião pública,
contra a mídia. A turma que ficar
contra mim vai ficar contra a política da cidade de São Paulo.
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