São Paulo, domingo, 21 de março de 1999

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VERSÃO OFICIAL
Prefeito afirma que não houve demora nem omissão para apurar as irregularidades
Pitta faz planos para se reeleger e diz não ser cúmplice da corrupção

JOSIAS DE SOUZA
Secretário de Redação

MARIO CESAR CARVALHO
da Reportagem Local

O prefeito de São Paulo, Celso Pitta, planeja inverter o escândalo da máfia da propina a seu favor. Em entrevista à Folha, revelou que considera-se candidato natural de seu partido, o PPB, à própria sucessão. Não descarta nem sequer a hipótese de disputar o pleito com seu criador, Paulo Maluf.
Pitta comporta-se como se não tivesse nada a ver com o escândalo das administrações regionais, que entregou a vereadores para conquistar a maioria na Câmara. Diante de palavras como cúmplice e co-responsável, age como um robô: não altera a voz nem a expressão e repete que mandou investigar tudo.
Apesar da corrupção em escala industrial, das enchentes e do caos urbano, Pitta imagina um futuro róseo. "Depois da moralização da prefeitura, faço uma gestão em que a visibilidade das minhas ações começam a se tornar perceptíveis para a opinião pública e me credencio para a continuidade na vida pública", diz na entrevista a seguir.

Folha - A polícia já indiciou 80 pessoas, prendeu 28 e 13 estão foragidas, entre as quais um vereador do PPB. O sr. sabia que a corrupção na prefeitura havia adquirido escala industrial?
Celso Pitta -
Não. Os primeiros indicativos de que a situação não era mais pontual motivou o projeto de criação da corregedoria, enviado em dezembro à Câmara.
Folha - O sr. é mal assessorado ou mal informado?
Pitta -
Os fatos que chegaram ao meu conhecimento eram pontuais e todos eles foram objeto de sindicância e punição na forma prevista na lei. Quando se teve o primeiro sinal de que não seria fato isolado, decidimos instituir a corregedoria.
Folha - Em 1997, numa entrevista com o sr., foi feita a seguinte pergunta: "Há indícios de uma corrupção generalizada em São Paulo, com ramificações em gabinetes da Câmara Municipal. O sr. acredita nisso?" O sr. dizia: "Não. Primeiro a sua colocação é errada. A corrupção não é generalizada na administração municipal. Determinamos que a Secretaria das Administrações Regionais abrisse uma investigação para apurar todas as denúncias apontadas, inclusive identificando os funcionários envolvidos". O sr. não acha que houve demora e ineficiência?
Pitta -
Não. Todas as situações que chegaram ao nosso conhecimento foram objeto de rigorosa investigação. Não houve descuido, demora ou omissão. Esse assunto não foi noticiado só em 97. É notícia há cerca de dez anos. Há manchetes de que os indícios de que a corrupção na prefeitura são generalizados datadas de 90, 91.
Folha - Os prefeitos, incluindo aí Paulo Maluf e o sr., na medida em que mantiveram as regionais nas mãos de vereadores, não são co-responsáveis por essa situação?
Pitta -
É uma prática que se verifica em todas as esferas de governo, não havendo nada de condenável nela desde que os indicados sejam pessoas honestas. O que se coloca nesse momento é que esse modelo se mostrou esgotado na cidade de São Paulo. Daí estarmos trabalhando para a revisão de toda essa situação. Sou a pessoa que mais interesse tem em passar a limpo essa situação. Esse assunto irá até as últimas consequências. Temos como aliados o Ministério Público e a Polícia Civil, que estão atuando junto com a prefeitura.
Folha - Os promotores e delegados dizem que a corrupção piorou muito depois que o sr. cedeu à pressão dos vereadores e entregou a eles as administrações regionais. O sr. não se sente cúmplice?
Pitta -
Indicações para regionais não são novidade desta administração. Assim, essa afirmação perde substância. Seis administradores e mais de 33 funcionários foram afastados na minha gestão.
Folha - Sendo tão antigo esse tipo de prática, por que o sr. acabou cedendo aos vereadores?
Pitta -
Na época, não se tinha a dimensão que hoje se tem desse problema. Naquele momento, quando propus a criação de conselhos comunitários, houve um segmento da Câmara que se posicionou contra e ofereceu como alternativa a criação de uma ouvidoria na área das administrações. Ela teria o envolvimento da sociedade civil e serviria para a fiscalização.
No ano passado, demiti administradores e surgiu um movimento contrário na base governista. A mídia sempre se posicionou de uma forma bastante diferente da que se posiciona hoje. A mídia, nos dois episódios, sempre se ocupou em explorar o relacionamento do Executivo com o Legislativo, não indo ao âmago da questão que estava sendo objeto daquela polêmica, que era ter uma ação efetiva contra qualquer irregularidade.
Folha - Foi um erro o sr. ter cedido à pressão dos vereadores?
Pitta -
Não foi erro porque não houve consentimento com uma situação irregular. Foi um acordo político em que o objetivo a que eu me propunha estava preservado, com a criação da ouvidoria.
Folha - A ouvidoria tinha um motorista e um contínuo. Foi criada para não funcionar...
Pitta -
Se o primeiro núcleo da ouvidoria se mostrou tímido para o problema, em seguida se criou a Secretaria de Comunicação Social, que estabeleceu um sistema de comunicação direta com o público.
Folha - O que é intrigante é que o problema é antigo, todos conheciam e não foi desmontado.
Pitta -
Quando eu assumi havia problemas pontuais. Hoje, nós temos uma dimensão diferente. Você pode dizer que hoje há uma colaboração externa. Ótimo.
Folha - O sr. há de concordar que todas as iniciativas tomadas não foram suficientes nem eficazes.
Pitta -
Cada situação foi objeto de uma investigação. Se o problema subiu de complexidade, a solução também, até que chegamos à corregedoria. Fomos para a ouvidoria, para a Secretaria de Comunicação Social, para a corregedoria, para o pacote anticorrupção.
Folha - Entre essas medidas está a decisão de entregar as administrações a técnicos. O sr. está convencido de que os vereadores aliados não são confiáveis?
Pitta -
Não. Estou convencido de que esse modelo, formalizado há 10, 11 anos, se esgotou.
Folha - Por que o sr. ainda hesita em falar abertamente dos vereadores e seus desvios?
Pitta -
Prezo muito a honra das pessoas. Eu me considero injustiçado em diversos episódios. Tive a minha imagem pública arranhada. Se você colocar situações específicas, posso me manifestar.
Folha - Há o caso da Penha, do vereador Vicente Viscome, há o da Sé, do (ex-) vereador Hanna Garib.
Pitta -
No caso da Penha, o vereador tem de se apresentar e dar satisfações de seus atos. Também deve se licenciar, para permitir ampla e total investigação. O caso da Sé, em tese, merece a mesma resposta.
Folha - O Ministério Público denunciou por formação de quadrilha o Alfredo Savelli. Num primeiro momento, o sr. o manteve no cargo (secretário de Obras e de Vias Públicas). Depois, aceitou a sua demissão. Que confiança pode ter a população em um prefeito que tem como um de seus principais auxiliares uma pessoa envolvida em um caso de polícia?
Pitta -
A confiança que a população tem no prefeito se expressa na lealdade, que é parte integrante da minha personalidade. Nos dois anos de gestão, não fui desleal com qualquer um dos correligionários.
Savelli foi recrutado no seio de uma das instituições mais sérias da cidade, o Instituto de Engenharia.
A partir do momento em que colocou o seu cargo à disposição, externei essa minha confiança e ele, entendendo que sua permanência estava provocando algum tipo de problema para a imagem do prefeito, se apressou. Mantive a minha lealdade, o que não quer dizer que vou acobertar irregularidades.
Folha - O sr. não se sente constrangido em manter relações com a Enterpa, uma das principais envolvidas no escândalo Pau Brasil, de financiamento de campanhas malufistas. E ainda de ter despesas para assistir jogos na Copa da França pagas pela Vega.
Pitta -
Não, por favor. Sobre as despesas de viagem, foi feita uma investigação do Ministério Público. Quem pagou as despesas fui eu, com o meu cartão de crédito.
Folha - O sr. pagou depois que a imprensa noticiou.
Pitta -
Paguei depois que peguei a conta no hotel.
Folha - As relações da Enterpa com campanhas malufistas são antigas. Há notas frias da empresa na contabilidade da Pau Brasil.
Pitta -
Abri uma averiguação para que uma comissão, em oito dias, apresente conclusões sobre o envolvimento da empresa com pagamento de propinas. Feito isto, teremos elementos para promover a rescisão do contrato do lixo.
Folha - O sr. acha normal que sua mulher, Nicéa, peça aos administradores regionais para fazer árvores de Natal com dinheiro obtido junto a empresários que as administrações deveriam fiscalizar?
Pitta -
Nada foi exigido, foi só uma sugestão. Todas as árvores foram feitas com patrocínio, doação da comunidade. Esse assunto andou circulando em várias redações. A Folha achou por bem investigar. Mas acho que um cuidado deveria ter sido tomado.
O projeto foi de uma beleza ímpar. Muitas pessoas que vieram de fora para o Natal se surpreenderam ao ver a cidade mais decorada do que várias outras que já tinham essa tradição, como Nova York. Deixou-se esse lado bonito do projeto para se ater a uma pequenez. Acho isso uma sordidez.
Folha - O sr. é considerado o pior prefeito entre os de oito capitais. Segundo o Datafolha, 63% dos paulistanos o consideram ruim ou péssimo. A população está errada ou seu governo é ruim?
Pitta -
Nem uma coisa nem outra. O trabalho que fiz nos primeiros anos, de saneamento financeiro, não aparece.
Folha - O curioso é que o sr. teve de ser austero agora porque na Secretaria das Finanças, na administração Maluf, gastou demais.
Pitta -
É outra afirmação que rebato veementemente. A Lei Kandir impôs uma perda substancial na receita. Devemos ter perdido alguma coisa entre R$ 180 milhões e R$ 200 milhões. Isso nada tem a ver com o endividamento, que subiu por conta dos juros altos.
Folha - O sr. não respondeu sobre o seu índice de popularidade.
Pitta -
Eu paguei um custo de ajuste que me coloca hoje numa posição muito confortável. As contas da prefeitura estão em equilíbrio. É uma situação que permite a retomada de investimentos. Essa visibilidade que a população não teve em dois anos vai passar a ter.
Folha - A dívida foi rolada?
Pitta -
No dia 25 de fevereiro, o presidente Fernando Henrique emitiu a medida provisória 1.811, que estabeleceu padrões para o refinanciamento da dívida dos municípios. Isso está sendo objeto de uma negociação, que vai ter um contrato de financiamento, em condições de 30 anos. Tudo é reversível. Temos um plano de investimento, sem endividamento.
Folha - Não vai parecer eleitoreiro reservar os investimentos para os dois últimos anos de governo?
Pitta -
Se você não faz nada é incompetente. Se faz, é eleitoreiro.
Folha - O sr. prefere ser incompetente ou eleitoreiro?
Pitta -
Prefiro ser competente, pagar o ônus de uma impopularidade, do que tentar uma medida artificial ou eleitoreira.
Folha - Há um movimento anônimo chamado Pitta 2000. O sr. pretende se candidatar à reeleição, apesar de tudo?
Pitta -
É uma hipótese que não descarto, embora não seja essa a razão do meu trabalho. A razão do meu trabalho é dar àquele eleitor de 96, não o eleitor do ano 2000, a resposta ao voto de confiança.
Folha - Sua mulher disse que votou em Mário Covas (PSDB) para o governo do Estado e que 98 foi "o ano de libertação" do casal. Como vão as relações do sr. com Maluf?
Pitta -
Lá em casa não existe voto de cabresto. Sobre meu relacionamento com Maluf, há um certo distanciamento desde a eleição de outubro, não rompimento.
Folha - Esse distanciamento pode levar a uma eventual disputa eleitoral entre o sr. e o ex-prefeito?
Pitta -
Não descarto nenhuma alternativa, mas não trabalho com esse cenário. Considero que há um candidato natural do partido, que é o atual prefeito. Trabalho com um cenário em que um projeto de governo inverta esse índice de popularidade. Depois desse saneamento financeiro, depois da moralização da prefeitura, faço uma gestão em que a visibilidade das minhas ações começa a se tornar perceptível para a opinião pública e me credencio para a continuidade na vida pública.
Folha - Cinco vereadores do PPB deixaram o partido após as investigações da máfia da propina. O sr. não teme acabar como Collor, abandonado, sem aliados e, eventualmente, sofrer um processo de impeachment?
Pitta -
Eles se retiraram do partido, mas continuam me apoiando. Um movimento contrário a mim seria um movimento contrário à minha determinação de passar as coisas a limpo. Seria um movimento contra a opinião pública, contra a mídia. A turma que ficar contra mim vai ficar contra a política da cidade de São Paulo.



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