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GILBERTO DIMENSTEIN
Candidatos virtuais e políticos reais
A prefeita Marta Suplicy
determinou a seus assessores que seduzissem o ex-governador Orestes Quércia para que ele
viesse a apoiá-la. Para tanto, acenou com a entrega a ele do comando da Empresa Municipal de
Urbanismo (Emurb), um dos centros vitais de planejamento da cidade de São Paulo.
Unir-se a Orestes Quércia, acusado há anos pelo PT de enriquecimento suspeito, e, ainda por cima, colocar na mesa de negociação uma entidade encarregada
de obras, há anos também suspeita de flexibilidade no uso dos recursos públicos, é apenas mais um
exemplo do pragmatismo explícito que varre a política brasileira.
Sem grandes constrangimentos,
a assessoria da prefeita informou
oficialmente, na semana passada,
que, em nome da governabilidade, será aberto espaço nas administrações regionais para assegurar o apoio dos partidos. Mas as
administrações regionais viraram escândalo nacional justamente porque, entre outros motivos, se prestaram ao loteamento.
Quando a fisiologia é praticada
pelo PT, recebe o nome de "política de governabilidade" e, numa
versão mais sofisticada, "flutuação tática".
Não é de hoje que a palavra dos
políticos não é exatamente reverenciada. Pesquisa Datafolha mediu a credibilidade das instituições. Partidos políticos apareceram em último lugar, com nenhuma pontuação. Ou seja, zero. Acima deles, o Congresso Nacional,
com 1%.
Ilusões, jogos de cena, mentiras,
tramóias e falta de princípios não
são novidade na imagem dos políticos. O que está acontecendo
agora é uma mudança de grau
-e para pior, oscilando entre a
tragédia e a comédia.
Ciro Gomes disse as piores coisas sobre o PFL, apontado como
um foco de atraso e de promiscuidade. Chegou a afirmar que o
principal líder do PFL -Antonio
Carlos Magalhães- era mais sujo do que pau de galinheiro.
Bastou surgir a chance concreta
de uma aliança com o PFL para
que Ciro Gomes se interessasse
pela parceria com ACM. E, ainda
mais estranho, com o aval de Leonel Brizola, para quem o ex-senador baiano era -como vivia repetindo- o que existia de pior na
política brasileira, conivente com
bandalheiras.
Passamos todos esses anos ouvindo Brizola falar nos malefícios
do neoliberalismo. Sua fúria vai a
tal ponto que não aceita que Antônio Brito saia candidato com o
apoio da coligação PDT-PTB-PPS porque, afinal, ele fez parte
de um governo "neoliberal". Mas
não se sente constrangido em batalhar pelo poder ao lado do PFL,
a radicalidade do tal neoliberalismo.
Anthony Garotinho tem um discurso de oposição com visão semelhante à de Brizola. Também
tentou seduzir o PFL e, ao mesmo
tempo, lançou olhares enamorados a Paulo Maluf.
O PT rasteja para atrair personagens que, até pouco tempo
atrás, demonizava, como Luiz
Antônio Medeiros. Adernou para
o PL, outro segmento que se encaixaria no rótulo de neoliberal, e
bajulou a Igreja Universal. Daí
Lula não se sentir incomodado
em usar o genial Duda Mendonça, que ajudou a eleger Paulo Maluf prefeito de São Paulo, o qual,
por sua vez, ajudou a eleger Pitta.
E ambos comprometeram as finanças públicas a tal ponto que
deixaram a cidade (e sua atual
prefeita, do PT) à beira da ingovernabilidade. Duda também colaborou para a derrota de Cristovam Buarque, que foi o responsável pela disseminação nacional
da bolsa-escola, na disputa pelo
governo do Distrito Federal. E um
dos primeiros atos do vencedor foi
a eliminação da bolsa-escola.
Nesse clima de pragmatismo,
seria natural que outro genial publicitário tivesse ajudado Roseana Sarney, mas de olho na candidatura José Serra. Só não se bandeou porque Serra -também de
olho em todos os acordos possíveis, sem restrições- já tinha outra opção de marqueteiro.
Tal epidemia de pragmatismo é
provocada, entre outros motivos,
pelo fato de o presidente Fernando Henrique Cardoso, ícone da
"política de governabilidade",
ter-se mantido no poder por oito
anos, ter-se acertado com quem
quis, ter distribuído favores, ter
loteado ministérios -e, até agora, segundo as pesquisas, manter
o prestígio popular acima do razoável, com chance de fazer seu
sucessor. Ou seja, esse tipo de procedimento está "dando certo".
Não existem mais sonhos, as
utopias desapareceram. A esquerda se aproxima da direita com a
mesma intensidade com que a direita se aproxima da esquerda.
Como a crença na palavra dos
partidos políticos, segundo a pesquisa Datafolha, está em zero, a
credibilidade deles, mesmo com
todo esse surto, não vai ficar pior.
PS - Responsável por trazer ao
Brasil uma campanha contra o
câncer de mama, popularizando
o alvo azul, o publicitário Ricardo
Bellino decidiu fazer uma brincadeira eleitoral. Criou um candidato virtual, animado em computador. Batizou-o de "Feliciano
Brasileiro". Na busca de um programa para o candidato, pediu
idéias a pessoas, entre as quais este colunista, interessadas na temática social. O desafio é montar
uma ofensiva para evitar que os
jovens caiam na marginalidade e
gerem violência e, ao mesmo tempo, prepará-los para que melhorem suas comunidades.
Numa espécie de jogo de quebra-cabeça, deveriam ser especificadas as fontes de recursos, os
meios para executar o programa
e o reordenamento de políticas já
existentes e bem-sucedidas nos
planos federal, estadual e municipal de diferentes partidos, para
que não sofressem descontinuidade. O segredo estaria mais em
juntar peças, economizando tempo, dinheiro e energia, do que em
criar algo totalmente novo. O resultado da experiência está na
página do Aprendiz: www.aprendiz.org.br/. A diferença é
que, nessa experiência, qualquer
um pode mandar pela internet
uma idéia que, se for adequada,
entra no programa.
E-mail -
gdimen@uol.com.br
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