|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MOACYR SCLIAR
Time inconfiável
Vitória no futebol pode reduzir risco
ao coração, diz estudo. Pesquisador
francês acredita ter encontrado uma
maneira de reduzir o risco de ataques cardíacos: recomendar que as
pessoas assistam às vitórias de seus
times em emocionantes jogos de futebol. Estudos anteriores já haviam indicado que a paixão e a tensão presentes em uma importante partida
de futebol podem até provocar uma
parada cardíaca. Agora, no entanto,
a pesquisa conduzida pelo médico
Frédéric Berthier e publicada no jornal especializado "Heart" afirma
que um jogo de futebol pode provocar os efeitos contrários quando o
torcedor assiste à vitória de seu time.
Folha Online, 15.abr.2003
Ele tinha todos os motivos para temer um ataque
cardíaco. Em primeiro lugar, o
avô, o pai, vários tios haviam sido
cardiopatas. Além disso, era obeso, hipertenso, sedentário e fumava como um desesperado. A mulher tentava convencê-lo a mudar
de vida, mas em vão: nada fazia
para melhorar a sua saúde.
Mas então leu a notícia sobre o
trabalho do pesquisador francês e
se sentiu esperançado. Aquilo,
sim, estava a seu alcance: gostava
de ir a jogos de futebol e, se presenciasse um bom número de vitórias de seu time, poderia até
evitar aquela ameaça que pairava sobre ele como uma sombra.
Tudo que precisava fazer era adquirir o ingresso e ir ao jogo.
Havia um problema, porém: o
seu time. Era absolutamente imprevisível. Às vezes tinha um desempenho espetacular, obtinha
vitórias estrondosas. Outras vezes
era derrotado de forma humilhante. Como antecipar o resultado? Para o jogo daquele domingo
aparentemente não havia problema: tratava-se de um adversário
muito fraco, que possivelmente
seria até goleado, para a glória de
suas coronárias. Mas, e se isso não
acontecesse? E se o time perdesse?
Pensou em aconselhar-se com
alguém. Quem? O médico, nesse
caso, não seria útil. Um matemático poderia lhe dizer quais as
chances de vitória do time, mas
seriam apenas chances. Em adivinhos ele não acreditava. Na dúvida, optou por não ir ao estádio.
Planejou ficar em casa, tranquilo, lendo o jornal. Não o conseguiu. A todo o momento perguntava-se sobre o jogo. Qual seria o
placar? Não se atrevia a ligar o
rádio, com medo da derrota. A
ansiedade foi se tornando insuportável. E, de repente, aquela
dor no peito.
O médico foi chamado e imediatamente hospitalizou-o. Na
CTI, criou coragem -afinal, estava rodeado de todos os recursos,
poderia até enfrentar uma parada cardíaca- e perguntou ao enfermeiro qual havia sido o resultado do jogo.
O seu time vencera. De goleada.
O que, àquela altura, não o surpreendeu. Clube inconfiável
estava ali.
Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.
Texto Anterior: Parentes souberam de naufrágio pela TV Próximo Texto: Há 50 anos Índice
|