UOL


São Paulo, segunda-feira, 21 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MOACYR SCLIAR

Time inconfiável

Vitória no futebol pode reduzir risco ao coração, diz estudo. Pesquisador francês acredita ter encontrado uma maneira de reduzir o risco de ataques cardíacos: recomendar que as pessoas assistam às vitórias de seus times em emocionantes jogos de futebol. Estudos anteriores já haviam indicado que a paixão e a tensão presentes em uma importante partida de futebol podem até provocar uma parada cardíaca. Agora, no entanto, a pesquisa conduzida pelo médico Frédéric Berthier e publicada no jornal especializado "Heart" afirma que um jogo de futebol pode provocar os efeitos contrários quando o torcedor assiste à vitória de seu time.
Folha Online, 15.abr.2003

Ele tinha todos os motivos para temer um ataque cardíaco. Em primeiro lugar, o avô, o pai, vários tios haviam sido cardiopatas. Além disso, era obeso, hipertenso, sedentário e fumava como um desesperado. A mulher tentava convencê-lo a mudar de vida, mas em vão: nada fazia para melhorar a sua saúde.
Mas então leu a notícia sobre o trabalho do pesquisador francês e se sentiu esperançado. Aquilo, sim, estava a seu alcance: gostava de ir a jogos de futebol e, se presenciasse um bom número de vitórias de seu time, poderia até evitar aquela ameaça que pairava sobre ele como uma sombra. Tudo que precisava fazer era adquirir o ingresso e ir ao jogo.
Havia um problema, porém: o seu time. Era absolutamente imprevisível. Às vezes tinha um desempenho espetacular, obtinha vitórias estrondosas. Outras vezes era derrotado de forma humilhante. Como antecipar o resultado? Para o jogo daquele domingo aparentemente não havia problema: tratava-se de um adversário muito fraco, que possivelmente seria até goleado, para a glória de suas coronárias. Mas, e se isso não acontecesse? E se o time perdesse?
Pensou em aconselhar-se com alguém. Quem? O médico, nesse caso, não seria útil. Um matemático poderia lhe dizer quais as chances de vitória do time, mas seriam apenas chances. Em adivinhos ele não acreditava. Na dúvida, optou por não ir ao estádio.
Planejou ficar em casa, tranquilo, lendo o jornal. Não o conseguiu. A todo o momento perguntava-se sobre o jogo. Qual seria o placar? Não se atrevia a ligar o rádio, com medo da derrota. A ansiedade foi se tornando insuportável. E, de repente, aquela dor no peito.
O médico foi chamado e imediatamente hospitalizou-o. Na CTI, criou coragem -afinal, estava rodeado de todos os recursos, poderia até enfrentar uma parada cardíaca- e perguntou ao enfermeiro qual havia sido o resultado do jogo.
O seu time vencera. De goleada. O que, àquela altura, não o surpreendeu. Clube inconfiável estava ali.


Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.


Texto Anterior: Parentes souberam de naufrágio pela TV
Próximo Texto: Há 50 anos
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.