|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
URBANIDADE
O arquiteto da "cracolândia"
IRA CELESTE Com o serviço público não está em jogo a eficiência, mas a dignidade de passageiros e pedestres. E, se existe um deus para esses mártires das ruas paulistanas, poderia aproveitar as mudanças em curso para fulminar, com toque delicado, entende-se, os motoristas de ônibus. Aqueles que não sabem dirigir, aqueles que não sabem ir devagar nem parar nas faixas. Quase todos. (VINCENZO SCARPELLINI)
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
A "cracolândia" se tornou o melhor símbolo da degradação paulistana. Foi nesse cenário que o arquiteto Paulo Bastos, responsável pela reforma da
catedral da Sé, desenhou uma revolução urbana.
Nascida nas imediações de onde, no passado, morava a aristocracia, instalada nos bairros da
Luz e dos Campos Elíseos, a "cracolândia" ganhou, no imaginário
da cidade, o status de nação independente. Na década de 90, crianças consumiam-se no crack pelas
calçadas ao mesmo tempo em que
hotéis se prestavam a escritórios
clandestinos para os mais diversos
tipos de delinquência -do tráfico
de drogas e da exploração da
prostituição infantil até o contrabando destinado aos camelôs.
A degradação que afasta a
maioria das pessoas é o que encanta Paulo Bastos. Criado entre
judeus e italianos numa vila operária do Brás, ele vê na "cracolândia" a oportunidade de fazer
aquilo de que mais gosta. "Sou rato da cidade", define-se. "Adoro
vasculhar o passado esquecido em
nossas ruas, casas, prédios."
A pedido da prefeitura, ele elaborou um projeto para remodelar
a região. Os casarões antigos, agora cortiços, seriam recuperados e,
com menos apartamentos por andar, seriam entregues à população
de baixa renda. Prédios comerciais e residenciais seriam reformados e, depois, vendidos com financiamento mais generoso.
Pelo projeto, imóveis seriam demolidos. No lugar, surgiriam duas
grandes praças, cada uma do tamanho aproximado de dois campos de futebol. Essas áreas de lazer
e convivência se ligariam à Sala
São Paulo, ao Dops, à Universidade Livre de Música, ao jardim da
Luz, à estação da Luz (futuro Memorial da Língua Portuguesa) e à
Pinacoteca do Estado. Já é plano
da prefeitura unir por meio de calçadão todas essas instalações, integrando-as como se fossem um só
parque cultural.
Para quem o considera sonhador, talvez alucinado como aquelas crianças que habitam a "cracolândia", ele responde que o projeto tem viabilidade econômica, a
exemplo de experiências em várias cidades do mundo. Lembra
que o entorno da região ainda
tem um comércio próspero, mais
especificamente o da rua Santa
Ifigênia e o do Bom Retiro. "Muita
gente quer viver perto de onde trabalha." Não falta transporte público e ainda vai ficar melhor -a
estação da Luz será, com a entrega da linha 4, o principal ponto de
confluência do metrô na cidade.
Não é desvario, segundo ele, viajar no tempo e imaginar que, se,
no passado, era o café que movimentava o bairro e, depois, foram
droga e contrabando, no futuro,
quem sabe, poderá ser a cultura.
E-mail - gdimen@uol.com.br
Texto Anterior: Athiê se defende e insinua ameaça Próximo Texto: Trânsito: Circulação muda em ruas da Vila Mariana Índice
|