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São Paulo, quarta-feira, 21 de maio de 2003

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URBANIDADE

O arquiteto da "cracolândia"

IRA CELESTE Com o serviço público não está em jogo a eficiência, mas a dignidade de passageiros e pedestres. E, se existe um deus para esses mártires das ruas paulistanas, poderia aproveitar as mudanças em curso para fulminar, com toque delicado, entende-se, os motoristas de ônibus. Aqueles que não sabem dirigir, aqueles que não sabem ir devagar nem parar nas faixas. Quase todos. (VINCENZO SCARPELLINI)

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

A "cracolândia" se tornou o melhor símbolo da degradação paulistana. Foi nesse cenário que o arquiteto Paulo Bastos, responsável pela reforma da catedral da Sé, desenhou uma revolução urbana.
Nascida nas imediações de onde, no passado, morava a aristocracia, instalada nos bairros da Luz e dos Campos Elíseos, a "cracolândia" ganhou, no imaginário da cidade, o status de nação independente. Na década de 90, crianças consumiam-se no crack pelas calçadas ao mesmo tempo em que hotéis se prestavam a escritórios clandestinos para os mais diversos tipos de delinquência -do tráfico de drogas e da exploração da prostituição infantil até o contrabando destinado aos camelôs.
A degradação que afasta a maioria das pessoas é o que encanta Paulo Bastos. Criado entre judeus e italianos numa vila operária do Brás, ele vê na "cracolândia" a oportunidade de fazer aquilo de que mais gosta. "Sou rato da cidade", define-se. "Adoro vasculhar o passado esquecido em nossas ruas, casas, prédios."
A pedido da prefeitura, ele elaborou um projeto para remodelar a região. Os casarões antigos, agora cortiços, seriam recuperados e, com menos apartamentos por andar, seriam entregues à população de baixa renda. Prédios comerciais e residenciais seriam reformados e, depois, vendidos com financiamento mais generoso.
Pelo projeto, imóveis seriam demolidos. No lugar, surgiriam duas grandes praças, cada uma do tamanho aproximado de dois campos de futebol. Essas áreas de lazer e convivência se ligariam à Sala São Paulo, ao Dops, à Universidade Livre de Música, ao jardim da Luz, à estação da Luz (futuro Memorial da Língua Portuguesa) e à Pinacoteca do Estado. Já é plano da prefeitura unir por meio de calçadão todas essas instalações, integrando-as como se fossem um só parque cultural.
Para quem o considera sonhador, talvez alucinado como aquelas crianças que habitam a "cracolândia", ele responde que o projeto tem viabilidade econômica, a exemplo de experiências em várias cidades do mundo. Lembra que o entorno da região ainda tem um comércio próspero, mais especificamente o da rua Santa Ifigênia e o do Bom Retiro. "Muita gente quer viver perto de onde trabalha." Não falta transporte público e ainda vai ficar melhor -a estação da Luz será, com a entrega da linha 4, o principal ponto de confluência do metrô na cidade.
Não é desvario, segundo ele, viajar no tempo e imaginar que, se, no passado, era o café que movimentava o bairro e, depois, foram droga e contrabando, no futuro, quem sabe, poderá ser a cultura.

E-mail - gdimen@uol.com.br


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