São Paulo, domingo, 21 de maio de 2006

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GUERRA URBANA / ANÁLISE

José Afonso da Silva se diz preocupado com reação policial, que pode ter matado inocentes

Gestão do ex-secretário da Segurança de SP, que afirma que polícia deveria divulgar relação de mortos, foi de janeiro de 95 a março de 99

"População fica sem saber de quem vai ter medo"

FABIO SCHIVARTCHE
DA REPORTAGEM LOCAL

Polícia ou ladrão? De quem a população deve ter mais medo? A pergunta, por incrível que pareça, passou a ser feita na semana passada por um especialista no assunto: o advogado José Afonso da Silva, ex-secretário estadual da Segurança Pública. "A população fica sem saber realmente de quem ela vai ter medo. Eventualmente, até inocentes podem ter sido vítimas", afirmou, referindo-se às 107 pessoas mortas pela polícia desde a sexta-feira retrasada. Aos 81 anos, Silva, professor aposentado da Faculdade de Direito da USP, mantém um escritório e faz pareceres jurídicos na área constitucional. Leia trechos da entrevista, na sexta.  

FOLHA - O senhor se assustou com essa onda de violência?
JOSÉ AFONSO DA SILVA
- Do modo como ocorreram, ninguém fica indiferente e se assusta um pouco. Especialmente porque era um ataque institucional, atacava policiais. Sempre fui defensor dos direitos humanos e acho que também é preciso defender policiais.

FOLHA - A polícia paulista matou 107 suspeitos em uma semana. Foi uma reação desmedida?
SILVA
- Acho que foi. A gente fica com uma idéia de vingança. Fico muito preocupado com essa coisa de estar matando suspeitos. Os suspeitos podem ser investigados, presos e até condenados. Admito que possa haver troca de tiros e a polícia possa ter atuado em sua defesa. Mas na maior parte das vezes fico muito preocupado com uma reação desse tipo, quando se começa a atingir puramente suspeitos. Isso me causa um pouco de temor. A população fica sem saber realmente de quem ela vai ter medo. Eventualmente, até inocentes podem ter sido vítimas nessa situação. Estou falando em tese, porque ainda não se divulgou a lista dos que foram mortos.

FOLHA - A lista ainda não foi liberada pela polícia.
SILVA
- O fato de existirem vários [corpos] não identificados não impede que se libere a lista dos que já foram identificados. Que se complete a lista depois. Isso fica muito suspeito e lamento muito. Não fica transparente. Deveriam ter imediatamente mostrado as circunstâncias em que foram mortos, o nome, como foi, para que se tenha clareza dessa situação.

FOLHA - 107 mortes é um número muito alto para uma semana?
SILVA
- Muitíssimo. Já ouvi gente do povo comentando que seria outro Carandiru. Eu não levo o problema a esse nível. Mas fica um sentimento de que as coisas não estão claras.

FOLHA - As autoridades policiais de São Paulo agiram corretamente durante a crise desta semana?
SILVA
- Para quem está de fora é difícil avaliar. Posso dizer que o número de mortos pela polícia deixa uma certa dúvida quanto à correção dos procedimentos. Mas não posso dizer que as autoridades agiram mal. Talvez as coisas não tivessem tomado o rumo que tomaram se o PCC e esses movimentos tivessem sido combatidos no início.

FOLHA - O senhor assume uma parcela da responsabilidade, já que o PCC cresceu durante sua gestão [janeiro de 95 a março de 99]?
SILVA
- Não se falou nunca em PCC durante a minha gestão, só três ou quatro anos depois. E a minha secretaria era da Segurança Pública. Então, o problema não era de minha responsabilidade direta, mas sim da Administração Penitenciária.


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