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GUERRA URBANA / ANÁLISE
José Afonso da Silva se diz preocupado com reação policial, que pode ter matado inocentes
Gestão do ex-secretário da Segurança de SP, que afirma que polícia deveria divulgar relação de mortos, foi de janeiro de 95 a março de 99
"População fica sem saber de quem vai ter medo"
FABIO SCHIVARTCHE
DA REPORTAGEM LOCAL
Polícia ou ladrão? De quem a
população deve ter mais medo?
A pergunta, por incrível que
pareça, passou a ser feita na semana passada por um especialista no assunto: o advogado José Afonso da Silva, ex-secretário estadual da Segurança Pública. "A população fica sem saber realmente de quem ela vai
ter medo. Eventualmente, até
inocentes podem ter sido vítimas", afirmou, referindo-se às
107 pessoas mortas pela polícia
desde a sexta-feira retrasada.
Aos 81 anos, Silva, professor
aposentado da Faculdade de
Direito da USP, mantém um escritório e faz pareceres jurídicos na área constitucional. Leia
trechos da entrevista, na sexta.
FOLHA - O senhor se assustou com
essa onda de violência?
JOSÉ AFONSO DA SILVA - Do modo
como ocorreram, ninguém fica
indiferente e se assusta um
pouco. Especialmente porque
era um ataque institucional,
atacava policiais. Sempre fui
defensor dos direitos humanos
e acho que também é preciso
defender policiais.
FOLHA - A polícia paulista matou
107 suspeitos em uma semana. Foi
uma reação desmedida?
SILVA - Acho que foi. A gente fica com uma idéia de vingança.
Fico muito preocupado com
essa coisa de estar matando
suspeitos. Os suspeitos podem
ser investigados, presos e até
condenados. Admito que possa
haver troca de tiros e a polícia
possa ter atuado em sua defesa.
Mas na maior parte das vezes
fico muito preocupado com
uma reação desse tipo, quando
se começa a atingir puramente
suspeitos. Isso me causa um
pouco de temor. A população
fica sem saber realmente de
quem ela vai ter medo. Eventualmente, até inocentes podem ter sido vítimas nessa situação. Estou falando em tese,
porque ainda não se divulgou a
lista dos que foram mortos.
FOLHA - A lista ainda não foi liberada pela polícia.
SILVA - O fato de existirem vários [corpos] não identificados
não impede que se libere a lista
dos que já foram identificados.
Que se complete a lista depois.
Isso fica muito suspeito e lamento muito. Não fica transparente. Deveriam ter imediatamente mostrado as circunstâncias em que foram mortos, o
nome, como foi, para que se tenha clareza dessa situação.
FOLHA - 107 mortes é um número
muito alto para uma semana?
SILVA - Muitíssimo. Já ouvi
gente do povo comentando que
seria outro Carandiru. Eu não
levo o problema a esse nível.
Mas fica um sentimento de que
as coisas não estão claras.
FOLHA - As autoridades policiais de
São Paulo agiram corretamente durante a crise desta semana?
SILVA - Para quem está de fora
é difícil avaliar. Posso dizer que
o número de mortos pela polícia deixa uma certa dúvida
quanto à correção dos procedimentos. Mas não posso dizer
que as autoridades agiram mal.
Talvez as coisas não tivessem
tomado o rumo que tomaram
se o PCC e esses movimentos
tivessem sido combatidos no
início.
FOLHA - O senhor assume uma
parcela da responsabilidade, já que
o PCC cresceu durante sua gestão
[janeiro de 95 a março de 99]?
SILVA - Não se falou nunca em
PCC durante a minha gestão, só
três ou quatro anos depois. E a
minha secretaria era da Segurança Pública. Então, o problema não era de minha responsabilidade direta, mas sim da Administração Penitenciária.
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