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MOACYR SCLIAR
Sonhos eróticos
Acusado de estupro, alemão de 81
anos luta contra teste de ereção. O
homem, cuja identidade não foi divulgada, afirmou à corte durante seu
julgamento que sofria de diabetes e
que não podia ter uma ereção. Uma
corte de Justiça havia decidido que
uma equipe médica poderia amarrá-lo a uma cama, colocar um anel em
seu pênis durante a noite e usar um
"erectômetro" para checar se havia
alguma ereção. A Corte Constitucional Federal argumentou que tal procedimento violaria os diretos humanos do réu. Mundo Online,
15.jun.2004
Na verdade, ele não lembrava bem o que tinha
acontecido, o que, considerando
sua idade avançada, não era de
estranhar: não raro, esquecia de
desligar o gás ou de fechar a porta
do apartamento. Contudo, a acusação surpreendeu-o e, de certa
forma, deixou-o orgulhoso: então,
ele tinha estuprado a jovem e bela
Gretchen, sua vizinha? Mas como
acontecera aquilo? Sim, os dois
haviam estado juntos; ele a convidara para jantar em seu apartamento, oferecera-lhe um excelente vinho. Daí em diante tudo se
tornara nebuloso. Recordava-se
vagamente de vê-la saindo porta
afora, aos gritos mas, por que gritava? Porque ele a havia estuprado, fora a resposta que Gretchen
dera no tribunal.
A conselho do advogado, negara tudo, usando inclusive um argumento que qualquer juiz teria
de levar em consideração: já não
podia ter ereções. Por causa da
idade, claro, mas também por
causa do diabete de que sofria há
muito tempo. O magistrado mirara-o, desconfiado, e dera seu veredicto: teria de se submeter a um
teste. Passaria uma noite numa
cela, tendo preso ao pênis um sensível instrumento capaz de acusar
qualquer ereção.
A perspectiva dessa prova deixou-o em pânico. Enquanto estivesse acordado, poderia controlar
seus pensamentos, concentrando-se em coisas anti-luxúria como a
morte, o inferno; mas, e se dormisse? E se sonhasse com a bela
Gretchen, como vinha acontecendo há muitos meses? Uma ereção
poderia então acontecer. Mais: seria praticamente inevitável.
A única solução era um pesadelo. Com a Wicca, por exemplo.
Wicca era o apelido de uma vizinha que ele tivera na infância.
Uma velha medonha, a própria
imagem da bruxa: nariz adunco,
verrugas no queixo, dedos em
garra. A Wicca vai te pegar, dizia-lhe a mãe, e ele de imediato se urinava todo. Se a Wicca lhe aparecesse em sonhos, jamais teria uma
ereção. O problema era: como sonhar com a Wicca?
Não precisou achar uma resposta: a Suprema Corte liberou-o do
teste.
Mas não da Wicca. Vê-a, em sonhos, todas as noites. Ali está a
medonha criatura, fazendo-lhe
gestos obscenos. Mas o pior não é
isso. O pior é que, a cada sonho,
ele tem uma ereção: está apaixonado pela Wicca. Faria qualquer
coisa para possuí-la; inclusive recorrendo ao estupro. Mesmo que
isso lhe custe uma sentença de
prisão perpétua. Com a idade que
tem, já não serão muitos anos. E,
pelo menos, terá realizado seu sonho erótico.
Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às
segundas-feiras, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.
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