São Paulo, quarta-feira, 21 de agosto de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

POLÍCIA FORA DA LEI

Delegados e investigadores usam carros da corporação para acompanhar reunião na Assembléia

Policiais desarticulam ato contra secretário

DA REPORTAGEM LOCAL

Uma mobilização de policiais civis desarticulou ontem o ato em que entidades de direitos humanos defenderiam, na Assembléia, o afastamento do secretário da Segurança Pública do Estado, Saulo de Castro Abreu Filho, investigado pelo Tribunal de Justiça por causa de ações suspeitas da inteligência da Polícia Militar.
Antes das 14h, no horário em que a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa apresentaria novas denúncias, as 300 cadeiras do auditório estavam ocupadas, em sua maioria, por delegados, investigadores e membros de conselhos de polícia que defendem o secretário.
A estratégia esvaziou o encontro, que estava marcado havia uma semana, fez com que ele mudasse de lugar e irá provocar um pedido de investigação ao Ministério Público por parte de parlamentares do PT sobre a ida de policiais em serviço para a Assembléia em carros da Polícia Civil.
Entidades de direitos humanos e a Secretaria da Segurança vêm se enfrentando desde o início das investigações do Gradi (Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância) -a unidade secreta da PM que infiltrava presos em quadrilhas, conforme revelado pela Folha em 28 de julho, suspeita de crime de tortura, abuso de autoridade e homicídio.
Às 15h, não havia mais espaço no plenário. O presidente da Assembléia, Walter Feldman (PSDB), tentou, sem sucesso, dividir o auditório ao meio.
Após meia hora, delegados coordenaram a desocupação de metade das cadeiras, mas os representantes de entidades foram vaiados ao entrar no auditório. Com isso, o evento foi transferido de local e só começou às 16h10.
Feldman disse desconhecer o uso de carros públicos no ato. "Se isso ocorreu, que se abra uma investigação." A deputada e delegada Rosmary Correa (PMDB) defendeu os policiais. "Os carros que estão aqui não estão sendo retirados de nenhum policiamento e as pessoas continuam a ser atendidas nas delegacias", afirmou.
A Folha localizou 19 veículos da Polícia Civil perto da Assembléia. Um deles era de Santos. Consultado, o Ministério Público informou que o uso de carros oficiais pode ferir a lei de improbidade.
"Fiquei sabendo do ato e resolvi vir, como cidadão", disse o delegado Antonio Chaves Martins Fontes, 61, diretor da Polícia Civil na região metropolitana, que diz ter usado seu carro particular.
Dois delegados disseram à Folha, porém, terem sido convocados por diretores. Na semana passada, os 20 integrantes do Conselho da Polícia Civil, órgão máximo da corporação, deram apoio formal ao secretário.
""Se não conseguimos fazer um ato pedindo investigação, imagine como será feita a apuração", disse o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, João José Sady. ""A sensação que se tem é de intimidação."
Entidades defendem a saída do secretário da Segurança para ""dar transparência à investigação". O Gradi estava subordinado diretamente ao gabinete dele.
A Comissão de Direitos Humanos divulgou trechos de depoimentos de quatro presos que trabalharam infiltrados para o Gradi e um texto assinado por 16 entidades, pedindo a saída do secretário.
Os detentos afirmaram, segundo o deputado Renato Simões (PT), presidente da comissão, que dois policiais federais de Santos também participaram de ação em Sorocaba, em março deste ano, quando 12 homens ligados ao PCC foram mortos. Na versão deles, esses agentes teriam fornecido duas armas para o Gradi entregar aos suspeitos, que teriam sido atraídos para um cerco policial.
Os depoimentos ocorreram nas últimas duas semanas e cópias serão enviadas ao Tribunal de Justiça e Procuradoria Geral de Justiça.
Os detentos, segundo Simões, não falaram da participação de Abreu Filho no planejamento do Gradi, como um deles chegou a escrever em carta. O nome do ex-comandante da PM Rui César Melo foi citado na conversa.
Segundo o deputado, um dos ex-agentes do Gradi disse que o setor de inteligência dava cobertura a roubo de cargas e extorquia dinheiro de criminosos.
Em nota oficial, a Secretaria da Segurança Pública informou que não se manifestaria sobre as novas denúncias. Também não comentou sobre o uso de carros.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos recomendou ao governo brasileiro, anteontem, que transfira as investigações para a PF e que dê proteção aos presos recrutados pela PM.
Para a comissão, o envolvimento de autoridades da polícia e do Judiciário nessas ações caracteriza risco iminente à vida das testemunhas e faz com que essas instituições "não gozem da necessária imparcialidade" para apurar.
A missão do Brasil na OEA já foi informada da decisão. O governo tem sete dias para dizer que medidas já tomou e seis meses para adotar as recomendações. Se não o fizer, o Brasil pode ser citado -de forma negativa- na Assembléia Geral da OEA.


Texto Anterior: PM ocupa o morro do Salgueiro
Próximo Texto: Panorâmica - Parques: Fogo atinge áreas de preservação
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.