São Paulo, domingo, 21 de agosto de 2005

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DANUZA LEÃO

Lembrando

Sabe aquele dia meio chuvoso, em que você não tem rigorosamente nada para fazer, nem ao menos uma gaveta para arrumar? Foi o que me aconteceu no último domingo; depois de ler todos os jornais, fiquei meio sem rumo, e ou saía para almoçar, sozinha ou com um amigo, ou passava um dia de tédio, já que aos domingos não tem CPI. Pensei e fiz uma coisa que não fazia há muito, muito tempo. Separei uns CDs com músicas que tinham tudo a ver com uma época de minha vida, abri uma garrafa de vinho branco, me espichei num sofá e apertei o botão do play. Foi uma viagem.
Você ouve as músicas e se lembra, como se o tempo não tivesse passado, dos momentos que viveu, com quem estava, se quando ouvia as canções seu coração estava exultante ou em frangalhos, e tanto faz, já que essas lembranças são sempre uma riqueza que levamos no peito. Que pena que passamos tanto tempo sem lembrar de fatos e pessoas que foram tão importantes, numa determinada época.
Não, não é triste lembrar. Lembrar pode ser triste, mas, se você for capaz de fechar os olhos e voltar a viver aqueles momentos como se eles estivessem acontecendo naquela hora, é fascinante. Viver de novo os amores e as desilusões dos amores, que bela experiência.
Essas recordações são só nossas, e acho até que são as únicas coisas que nos pertencem verdadeiramente, até porque não temos com quem compartilhá-las -ai, que palavra horrível. Tenho amigos que não viveram aquela época -não comigo-, não conheceram os homens por quem meu coração disparou, não foi no ombro deles que eu caí em lágrimas perguntando "você acha que ele vai voltar?". Ah, era muito bom sofrer por amor.
E com quem eu vou poder ouvir "Ne me quitte pas" ou "Amsterdam", cantado por Jacques Brel? "Je m'en fous pas mal", por Piaf? "Les Feuilles Mortes", com Montand? Quem também vibrou, sentiu, viveu esses momentos, mesmo que não nos conhecêssemos nessa época e não nos conheçamos até hoje?
Nesse domingo eu revivi muitas emoções, momentos de que às vezes a gente se esquece porque a vida é corrida, temos compromissos, o trabalho, o banco, a nota fiscal, novos amigos, novos assuntos.
Mas, como diz a canção de Piaf, "je m'en fous pas mal, j'ai mon passé qui est à moi", o que, traduzido, quer dizer "não me importa, tenho meu passado que é meu", e ter um passado é algo de muito precioso. E não há nada melhor do que lembrar de um amor que nos fez sofrer muito, sobretudo quando ele faz parte do passado. E descobri o que já desconfiava: que se pode ser feliz sozinha, lembrando, bastando para isso ter imaginação e capacidade de viver o passado como se ele estivesse acontecendo naquele momento.
Mas será que alguém lembra dessas músicas, sabe do que estou falando? Se alguém souber, por favor, dê um sinal de vida; diga que também ficava com o coração apertado acompanhando Jacques Brel cantar "Ne me quitte pas", para eu saber que não inventei tudo isso e que não estou só no mundo.
E pense que o passado merece ser comemorado, tanto como o presente e o futuro.


E-mail - danuza.leao@uol.com.br

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