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DANUZA LEÃO
Lembrando
Sabe aquele dia meio chuvoso,
em que você não tem rigorosamente nada para fazer, nem ao
menos uma gaveta para arrumar? Foi o que me aconteceu no
último domingo; depois de ler todos os jornais, fiquei meio sem rumo, e ou saía para almoçar, sozinha ou com um amigo, ou passava um dia de tédio, já que aos domingos não tem CPI. Pensei e fiz
uma coisa que não fazia há muito, muito tempo. Separei uns CDs
com músicas que tinham tudo a
ver com uma época de minha vida, abri uma garrafa de vinho
branco, me espichei num sofá e
apertei o botão do play. Foi uma
viagem.
Você ouve as músicas e se lembra, como se o tempo não tivesse
passado, dos momentos que viveu, com quem estava, se quando
ouvia as canções seu coração estava exultante ou em frangalhos,
e tanto faz, já que essas lembranças são sempre uma riqueza que
levamos no peito. Que pena que
passamos tanto tempo sem lembrar de fatos e pessoas que foram
tão importantes, numa determinada época.
Não, não é triste lembrar. Lembrar pode ser triste, mas, se você
for capaz de fechar os olhos e voltar a viver aqueles momentos como se eles estivessem acontecendo
naquela hora, é fascinante. Viver
de novo os amores e as desilusões
dos amores, que bela experiência.
Essas recordações são só nossas,
e acho até que são as únicas coisas
que nos pertencem verdadeiramente, até porque não temos com
quem compartilhá-las -ai, que
palavra horrível. Tenho amigos
que não viveram aquela época
-não comigo-, não conheceram os homens por quem meu coração disparou, não foi no ombro
deles que eu caí em lágrimas perguntando "você acha que ele vai
voltar?". Ah, era muito bom sofrer
por amor.
E com quem eu vou poder ouvir
"Ne me quitte pas" ou "Amsterdam", cantado por Jacques Brel?
"Je m'en fous pas mal", por Piaf?
"Les Feuilles Mortes", com Montand? Quem também vibrou, sentiu, viveu esses momentos, mesmo
que não nos conhecêssemos nessa
época e não nos conheçamos até
hoje?
Nesse domingo eu revivi muitas
emoções, momentos de que às
vezes a gente se esquece porque
a vida é corrida, temos compromissos, o trabalho, o banco, a nota fiscal, novos amigos, novos assuntos.
Mas, como diz a canção de Piaf,
"je m'en fous pas mal, j'ai mon
passé qui est à moi", o que, traduzido, quer dizer "não me importa,
tenho meu passado que é meu", e
ter um passado é algo de muito
precioso. E não há nada melhor
do que lembrar de um amor que
nos fez sofrer muito, sobretudo
quando ele faz parte do passado.
E descobri o que já desconfiava:
que se pode ser feliz sozinha, lembrando, bastando para isso ter
imaginação e capacidade de viver
o passado como se ele estivesse
acontecendo naquele momento.
Mas será que alguém lembra
dessas músicas, sabe do que estou
falando? Se alguém souber, por
favor, dê um sinal de vida; diga
que também ficava com o coração apertado acompanhando
Jacques Brel cantar "Ne me quitte
pas", para eu saber que não inventei tudo isso e que não estou só
no mundo.
E pense que o passado merece
ser comemorado, tanto como o
presente e o futuro.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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