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São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2003

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Institutos oferecem assistência jurídica e dão apoio para recuperar auto-estima de quem enfrentou discriminação

ONGs "reconstróem" vítimas de preconceito

DA REDAÇÃO

"Eu reparo bem na fisionomia da vítima. Quando ela está na frente do juiz e começa a relembrar o caso, os olhos começam a ficar vermelhos. Ela não resiste e, em poucos segundos, desaba. E não tem jeito. Não há mais condições de continuar a audiência."
O advogado Lino Pinheiro da Silva, 38, da organização não-governamental Instituto do Negro Padre Batista, exemplifica dessa maneira a fragilidade de uma vítima de discriminação racial.
A ONG oferece assistência jurídica gratuita às vítimas do preconceito. A experiência nesse serviço mostra que deve ocorrer um trabalho conjunto, de defesa do direito e de reconstrução da auto-estima do discriminado.
"As pessoas chegam aqui extremamente abaladas, perdidas. O desejo delas é de se esconder, de não mais sair de casa."
Os casos se acumulam. Alunos que foram discriminados pelo professor. Professores vítimas de preconceito dos alunos. As discussões entre vizinhos que descambam em insultos racistas.
Há também um outro tipo bastante frequente: o preconceito na porta giratória de banco. Lino relata um caso em que o cidadão negro chegou a ficar apenas de cueca para provar que podia entrar na agência. E ainda assim não pôde passar, justamente porque estava só de cueca.
Segundo o instituto, todos esses casos têm em comum um alto poder devastador sobre a personalidade dos discriminados.
Maria José de Assis Souza dá assistência psicológica às vítimas de preconceito. "São pessoas fragilizadas. A discriminação fere de forma extremamente cruel."
Ela lembra um caso em que uma mulher declaradamente não foi aceita para o emprego de governanta pelo fato de ser negra. Ela desenvolveu um quadro depressivo, não conversava com a família e não queria sair do porão de casa. Foram necessários dias para convencê-la a procurar ajuda. "Nós prestamos aqui um serviço emergencial e procuramos encaminhar as pessoas para tratamento, pois o trauma é muito grande", diz a psicóloga.
O instituto dá bolsas para que alunos negros possam estudar. Os advogados que atendem as vítimas e a psicóloga se formaram com o auxílio dessas bolsas.

Jovens
A Fala Preta! é uma ONG de mulheres negras que atua na área da saúde reprodutiva da mulher e em projetos de resgate de auto-estima de jovens.
"A exclusão da população negra não é uma questão puramente econômica. É necessário recuperar a autoconfiança e a auto-estima. Trabalhamos para que o negro tenha consciência de que não é uma sujeira na sociedade", explica Gláucia Matos, coordenadora-adjunta da Fala Preta!.
Na região de Americanópolis, a Fala Preta! desenvolve projeto que visa a construção da identidade racial-étnica de jovens. "O jovem negro tem com frequência problemas na escola. Trabalhamos para o resgate da cidadania, para que eles estejam mais bem preparados para atuar na sociedade", diz Maria das Graças Pereira, 42, coordenadora pedagógica do projeto. Os jovens que participam do programa -que envolve dinâmicas de grupo, dramatizações, produção de textos e fanzines- se transformam em agentes multiplicadores da experiência em suas comunidades.

Promotoras da cidadania
A ONG Geledés, de mulheres negras, oferece assistência jurídica a vítimas de preconceito, aulas de reforço para estudantes negros entrarem na faculdade e bolsas de estudo com o apoio de empresas.
Na periferia, dá cursos para formação de agentes multiplicadoras da cidadania. Na zona leste, 40 foram formadas em Cidade Tiradentes e 30 em São Mateus.
As mulheres, em sua grande maioria negras, recebem aulas de legislação, cidadania e saúde. Elas se tornam referência em suas comunidades. Dão informação sobre o que aprenderam a vizinhos e amigos.
(EDNEY CIELICI DIAS)


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