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DANUZA LEÃO
Quantos somos?
Quantas personalidades nós
temos? Duas? Não, muitas
mais.
Se você conhece um pai de família austero, que faz discursos em
casa com opiniões as mais sérias
sobre a moral e os bons costumes
em geral, diante de quem os filhos
não podem nem dizer uma
palavra mais forte, desconfie: talvez as coisas não sejam tão
simples assim.
Pode acontecer de um dia você
cruzar com ele na praia, num botequim ou fantasiado de mulher
num bloco de Carnaval -alegre,
desbocado, a verdadeira alegria
do grupo. Hipocrisia? Não; é que
somos vários, e talvez a grande dificuldade da vida seja juntar esses
vários num só.
Você também é assim, claro.
Quando vai almoçar na casa de
sua sogra, escolhe com cuidado os
assuntos e bebe pouco, por precaução; ou por acaso se comporta
como quando está com a turma
do futebol, dizendo baixarias sobre as mulheres? E diante de seu
patrão diz o que acha do governo
do PT, sabendo que está indo na
direção oposta à opinião dele?
As mulheres, essas são múltiplas: mudam de comportamento
facilmente, dependendo das circunstâncias, e por isso têm tantas
amigas, todas diferentes umas
das outras. Uma para quando está apaixonada, outra para quando está se desapaixonando e
achando graça em outro, outra
para quando está em depressão,
outra para falar de doença, outra
para falar de filho. E aquela de fé
para soltar a imaginação e poder
dizer que não aguenta mais ver a
cara do marido, que gostaria
mesmo é de passar duas horas
num hotel do cais do porto nos
braços de um marinheiro sueco
com uma sereia tatuada no braço
(e no dia seguinte chegar chorando porque está desconfiada de
que o marido tem um caso).
Será que quem é capaz de ter
tantas personalidades é porque
no fundo não tem nenhuma ou,
pelo contrário, é o que se chama
uma personalidade rica? Ouve-se
falar que uma pessoa deve ser
sempre uma só, que quem é muitas é porque tem uma persona
fragmentada, mas alguém que é
sempre a mesma não é uma monotonia sem fim? E quem sabe o
que se passa no fundo do seu coração, de verdade?
Tem gente que tem certezas sobre tudo, e duvido que seja possível achar graça nelas por muito
tempo. Afinal, o que queremos é
alguém que nos surpreenda.
Quantas pessoas você conhece capazes disso? Poucas, aposto.
Quem pretende ter uma relação
estável até o fim dos seus dias costuma procurar uma dessas pessoas que parecem equilibradas
emocionalmente. Mas é bom estar preparado para um dia saber
que ela tem um outro lado que é o
contrário do que sempre pareceu
que era (e aí pode até ser ótimo).
Conhecer o outro (ou os outros)
lado de uma pessoa costuma
acontecer depois que ela morre,
quando se vai mexer nos papéis e
se encontram bilhetes, papéis,
cartas apaixonadas, essas
coisas. Aí ficamos cismando:
como foi possível viver tanto tempo perto de alguém sem saber
quem ela era?
É assim mesmo: pense se alguém sabe quem você é, de verdade. Não que você minta ou esconda coisas; só que é tão perigoso
tentar conhecer a nós mesmos e
do que seríamos capazes que chega a dar medo.
E assim vamos pela vida, nos
casando, tendo filhos, tendo amigos, sem que ninguém tenha a
menor idéia de quem é quem.
O que talvez seja melhor: sabendo, a vida talvez ficasse muito difícil de ser vivida.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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