São Paulo, segunda-feira, 21 de outubro de 2002

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EDUCAÇÃO

Nova prova permite melhorar notas e subir em ranking interno de cursos para garantir especialização na área desejada

Na USP, alunos encaram segundo vestibular

BRUNO LIMA
DA REPORTAGEM LOCAL

Entre os candidatos que disputarão vaga no curso de letras no vestibular da USP está um aluno do curso de letras da própria USP.
Embora já tenha vaga garantida no curso, Luiz Roberto Castro, 37, prestará vestibular em novembro para tentar melhorar suas notas e, com isso, mudar de habilitação: ele quer inglês, mas só conseguiu vaga em grego antigo. Para este ano, 33,6% dos alunos que tinham inglês como opção não conseguiram vaga no idioma.
Para distribuir os alunos entre as habilitações oferecidas -como inglês, francês e espanhol-, a universidade estabelece um ranking. São consideradas as notas obtidas no primeiro ano (ciclo básico). Não são avaliados conhecimentos de línguas estrangeiras.
"Muita gente entra em inglês [o curso mais procurado" sem saber nada. Só que a aula [da habilitação" é dada toda em inglês, em nível intermediário e avançado", afirma o aluno Castro.
Segundo alunos de letras, quem não consegue acompanhar as aulas costuma trancar a matrícula e procurar um curso particular.
O período de trancamento chega a dois anos. Ao contrário das vagas abertas por desistência, vagas de trancamento não são oferecidas para transferência.
"Ninguém desiste. Se desistir, não volta mais", diz Bianca Ribeiro, 20, aluna de inglês. Se trancar, pode estudar por fora e voltar.
Neste ano, formam-se os primeiros alunos que passaram pelo ranking, instituído em 99 -antes, a seleção era feita no vestibular. Com a criação do ciclo básico, todos os alunos passaram a ter vaga garantida em português, podendo cursar outra das 14 habilitações, para as quais há seleção.
Segundo o diretor da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP), Sedi Hirano, o diagnóstico dos ganhos e problemas trazidos pelo ciclo básico, previsto para este ano, foi atrasado por causa da greve dos estudantes (de abril a agosto) e só poderá ser feito em 2003.
"Se de fato houver um número grande de trancamentos, podemos pensar alternativas para a racionalização dessas vagas", afirmou Hirano. Ele lembra, contudo, que é preciso garantir o direito adquirido dos que trancaram.

Engenharia
O vestibular para o mesmo curso também ocorre na Escola Politécnica da USP. "Queria engenharia química e ia pegar civil. Tranquei e fui fazer cursinho", conta Marcio Ripari Machado, 21, que fez outro vestibular para cursar de novo o ciclo básico da instituição.
Na Poli, como é conhecida a escola de engenharia da USP, o aluno é encaminhado para uma das grandes áreas da engenharia no final do primeiro ano. No segundo ano, em novo ranking, é decidida a engenharia específica.
Pesquisa feita na semana passada pelo Grêmio Politécnico com 458 dos cerca de 750 alunos do ciclo básico mostra que 41% têm elétrica como primeira opção, e 41%, mecânica. Só 9% querem química, e 9%, civil. Projeções feitas pelo grêmio revelam que cerca de 8% deixariam a Poli caso não conseguissem vaga em sua opção.
De acordo com o presidente da Comissão do Ciclo Básico da Poli, José Roberto Piqueira, cerca de 15% dos alunos não conseguem estudar o que querem, mas o nível de satisfação aumentou, já que os alunos ficam mais preparados para escolher. "Temos alunos que ficam chateados, mas tentamos resolver com transferências."

Insatisfeitos
"Não peguei francês por causa de meio ponto", conta Fernanda Libois, 21, que é de família francesa e, por enquanto, só conseguiu vaga em alemão. "Não é a minha vocação. Já tentei mudar, mas sempre me dizem que a sala está lotada. Vão enrolando, enrolando, você acaba desistindo."
Na Poli, embora elogiem a possibilidade de decidir a carreira depois de obter mais informações, os alunos reclamam que o ranking impede que as decisões se concretizem. "Quero engenharia naval. Estou tentando mudar, mas é uma burocracia louca", conta Gabriela Timerman, 19, aluna do segundo ano de civil. As transferências na Poli também obedecem ao ranking.
Segundo os alunos, o clima de competição chega a atrapalhar as amizades. "Em engenharia, as pessoas já têm dificuldade de se comunicar. Com a competição, o problema se intensifica", afirma o estudante do segundo ano de civil Renato Rosenberg, 19, membro do Grêmio Politécnico. De acordo com ele, o sistema desmobiliza os alunos, dificultando a luta por interesses coletivos.
"É um jogo. Cada um tem de traçar suas estratégias. Abdiquei de muita coisa", diz Milena Delalata, 21, que conseguiu vaga em engenharia de produção, um dos cursos mais concorridos.
Na engenharia, as provas do ciclo básico costumam ser as mesmas para todas as turmas. "Como as aulas são diferentes, as salas dos bons professores ficam lotadas. Mesmo quem não é da turma vai assistir", conta Fábio Zveibil, 20, aluno de produção.
No curso de letras, cada docente tem seus critérios de avaliação. O efeito é que os alunos procuram se matricular nas turmas de professores tidos como "bonzinhos" e fogem dos mais rigorosos. "Não há perfeição, mas é o que perseguimos", diz o diretor da FFLCH.
O sistema também recebe críticas de professores. Para Marli Quadros, coordenadora da área de língua portuguesa, o sistema revitalizou áreas como latim, mas ainda precisa ser aperfeiçoado. "É a coisa mais perversa que já foi criada", diz Iná Camargo Costa, chefe do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada.


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