São Paulo, quinta-feira, 21 de outubro de 2004

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JUSTIÇA

Ministros do STF derrubaram a decisão provisória que autorizava interrupção de gravidez em casos de anencefalia

Cai liminar do aborto de feto sem cérebro

SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) derrubou a liminar do ministro Marco Aurélio de Mello que havia liberado a interrupção da gravidez nos casos de fetos com anencefalia (ausência de cérebro) sem autorização judicial específica.
Houve sete votos contrários à liminar e quatro favoráveis. Além de Marco Aurélio, Carlos Ayres Britto, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence foram a favor de manter a decisão.
O advogado Luiz Roberto Barroso, que preparou a ação pedindo a autorização para realizar este tipo de aborto em nome da CNTS (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde), criticou a pressão da Igreja Católica sobre os 11 ministros, dizendo que ela foi "indescritível". "Em um Estado laico, os dogmas da fé não podem subordinar a interpretação do direito." Barroso criticou particularmente o envio de protestos por meio eletrônico. "Os computadores dos ministros foram inundados de mensagens."
O STF deixou claro que não poderão ser acusadas de crime de aborto as mulheres que interromperam a gestação em caso de anencefalia desde 1º de julho, período em que vigorou a decisão provisória de Marco Aurélio. Também permanece em vigor a parte da liminar que suspendeu a tramitação de processos contra mulheres acusadas de praticar aborto e profissionais de saúde acusados de auxiliá-las -sempre em casos de anencefalia.
A derrubada da liminar não encerra a ação, porque o tribunal ainda não julgou o seu mérito. Antes disso, terá de decidir se a arquiva ou não. Essa questão técnica seria julgada ontem, mas Carlos Ayres Britto pediu vista, adiando o desfecho.
O procurador-geral da República, Claudio Fonteles, que é contra a interrupção da gravidez nesses casos, pediu o arquivamento, sob argumento de que esse tipo de ação, chamada de argüição de descumprimento de preceito fundamental, não é adequado para decidir a causa.
Marco Aurélio entende que a interrupção da gravidez no caso de feto anencefálico não caracteriza aborto, porque não há expectativa de vida fora do útero.
Crítico ferrenho dessa tese e católico praticante, Fonteles disse que a legislação protege a vida desde a concepção, não do nascimento, e negou influência da religião no seu pensamento. "A minha posição é estritamente jurídica, não teológica."
O exame da liminar não estava nem sequer previsto para ontem, mas foi proposto pelo ministro Eros Grau. "A segunda parte da liminar [que permite a interrupção da gravidez nos casos de fetos anencefálicos] está autorizando uma terceira modalidade de aborto, não prevista na legislação."
O Código Penal, de 1940, inclui o aborto entre os crimes contra a vida e só prevê duas exceções: risco de morte da mulher e gravidez resultante de estupro. A mulher pode ser condenada a até três anos de prisão. O profissional de saúde, a até quatro.
Na mesma linha, Cezar Peluso afirmou: "Não me convence a circunstância de que o feto anencefálico é condenado à morte. Todos o somos. Nascemos para morrer".
Ellen Gracie Northfleet, única mulher no STF, também votou contra a liminar. A sua indicação para o tribunal, em 2000, foi apoiada por entidades feministas. O advogado Barroso, autor da ação, disse que o voto dela foi técnico, contrário apenas à liminar, não à tese, sobre o direito de interromper a gravidez.
Na corrente oposta, Carlos Ayres Britto disse: "O útero é um casulo, e o feto, uma crisálida que jamais chegará a borboleta. Estamos discutindo o direito de viver ou de nascer para morrer?"


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