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JUSTIÇA
Ministros do STF derrubaram a decisão provisória que autorizava interrupção de gravidez em casos de anencefalia
Cai liminar do aborto de feto sem cérebro
SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O plenário do STF (Supremo
Tribunal Federal) derrubou a liminar do ministro Marco Aurélio
de Mello que havia liberado a interrupção da gravidez nos casos
de fetos com anencefalia (ausência de cérebro) sem autorização
judicial específica.
Houve sete votos contrários à liminar e quatro favoráveis. Além
de Marco Aurélio, Carlos Ayres
Britto, Celso de Mello e Sepúlveda
Pertence foram a favor de manter
a decisão.
O advogado Luiz Roberto Barroso, que preparou a ação pedindo a autorização para realizar este
tipo de aborto em nome da CNTS
(Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde), criticou a
pressão da Igreja Católica sobre
os 11 ministros, dizendo que ela
foi "indescritível". "Em um Estado laico, os dogmas da fé não podem subordinar a interpretação
do direito." Barroso criticou particularmente o envio de protestos
por meio eletrônico. "Os computadores dos ministros foram
inundados de mensagens."
O STF deixou claro que não poderão ser acusadas de crime de
aborto as mulheres que interromperam a gestação em caso de
anencefalia desde 1º de julho, período em que vigorou a decisão
provisória de Marco Aurélio.
Também permanece em vigor a
parte da liminar que suspendeu a
tramitação de processos contra
mulheres acusadas de praticar
aborto e profissionais de saúde
acusados de auxiliá-las -sempre
em casos de anencefalia.
A derrubada da liminar não encerra a ação, porque o tribunal
ainda não julgou o seu mérito.
Antes disso, terá de decidir se a arquiva ou não. Essa questão técnica seria julgada ontem, mas Carlos Ayres Britto pediu vista,
adiando o desfecho.
O procurador-geral da República, Claudio Fonteles, que é contra
a interrupção da gravidez nesses
casos, pediu o arquivamento, sob
argumento de que esse tipo de
ação, chamada de argüição de
descumprimento de preceito fundamental, não é adequado para
decidir a causa.
Marco Aurélio entende que a
interrupção da gravidez no caso
de feto anencefálico não caracteriza aborto, porque não há expectativa de vida fora do útero.
Crítico ferrenho dessa tese e católico praticante, Fonteles disse
que a legislação protege a vida
desde a concepção, não do nascimento, e negou influência da religião no seu pensamento. "A minha posição é estritamente jurídica, não teológica."
O exame da liminar não estava
nem sequer previsto para ontem,
mas foi proposto pelo ministro
Eros Grau. "A segunda parte da liminar [que permite a interrupção
da gravidez nos casos de fetos
anencefálicos] está autorizando
uma terceira modalidade de aborto, não prevista na legislação."
O Código Penal, de 1940, inclui
o aborto entre os crimes contra a
vida e só prevê duas exceções: risco de morte da mulher e gravidez
resultante de estupro. A mulher
pode ser condenada a até três
anos de prisão. O profissional de
saúde, a até quatro.
Na mesma linha, Cezar Peluso
afirmou: "Não me convence a circunstância de que o feto anencefálico é condenado à morte. Todos o somos. Nascemos para
morrer".
Ellen Gracie Northfleet, única
mulher no STF, também votou
contra a liminar. A sua indicação
para o tribunal, em 2000, foi
apoiada por entidades feministas.
O advogado Barroso, autor da
ação, disse que o voto dela foi técnico, contrário apenas à liminar,
não à tese, sobre o direito de interromper a gravidez.
Na corrente oposta, Carlos Ayres Britto disse: "O útero é um casulo, e o feto, uma crisálida que jamais chegará a borboleta. Estamos discutindo o direito de viver
ou de nascer para morrer?"
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